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Toxicomania.

Atualizado: 22 de set. de 2024



Toxicomania. ''O desejo de fugir do concreto por meio do uso de substâncias entorpecentes revela uma luta entre o princípio do prazer e o da realidade, agindo na psique do indivíduo''. Dan Mena. Por Dan Mena.

A história do homem e sua conexão com drogas é longa, se estima que remonte a mais de oito mil anos. Seu uso começa a ser colocado em prática por motivos de saúde, recreativos, religiosos ou introspectivos. É provável que desde sempre tenhamos experimentado todo tipo de essências e plantas, por consequência adotado, criado e passado a consumir substâncias que alteram o sistema nervoso central. De fato, é difícil estimar ou determinar quais foram às primeiras utilizadas. Pelos achados arqueológicos sabemos que o álcool e os opiáceos foram os precípuos psicoativos manuseados. O ópio, do grego opós = sumo das papoulas, é um alcaloide que se tem registro como uma das drogas mais antigas empregues pela humanidade. Já a popular cerveja era produzida há cerca de sete mil anos pelos antigos egípcios que a utilizavam em celebrações religiosas. Essas sociedades primitivas deixaram vestígios concretos e amplamente documentados. O mel era armazenado e atingia o ponto de fermentação, então encontramos os primeiros vinhos, o tabaco, que já era fumado por várias culturas pré-colombianas em comemorações espirituais e cerimoniais antes da chegada dos conquistadores a América.


O sujeito é um fantasma na toxicomania.


O sujeito do psicoanálises é aquele do discurso, do significante, lugar onde ele se encontra velado e inexistente na toxicomania. Esse, que singularmente deve ser entendido como o que se distância e nega a palavra que universalmente nos constituí. Logo adentra num indeferimento da linguagem, onde parece afundar em um estado de profundo sofrimento, premissa, na qual a análise tradicional encontra sérias dificuldades em penetrar. Essa condição não se manifesta por meio de sintomas claros, nem é guiado por uma demanda reconhecível, resultando em uma deleção dessa plausível narrativa. O objetivo da análise psicanalítica não pode se concentrar unicamente em combater o ato do consumo da substância tóxica, pois os resultados esperados dessa abordagem são comprovadamente insatisfatórios. Neste cenário, o psicanalista se vê confrontado com uma situação na qual o próprio objeto da toxicomania, bem como sua dependência parecem transcender os limites da análise convencional. Tecnicamente o problema se esvazia ao sugerir de certa forma a inexistência do próprio conceito, enquanto objeto analítico. O sujeito impactado não pode ser sustentado apenas pela investigação clínica, visto que não se encaixa nos moldes clássicos da análise. Quando consideramos essa compulsão como uma manifestação na qual parece o portador estar anestesiado, sua existência inquestionável e o seu espaço na análise se tornam evasivas. Dentro dessa dimensão é evidente que a adição, compulsão e vícios, não conseguem delinear um sujeito em sua totalidade. Em vez disso, sua opção potencial é que ele(a) compreenda seu próprio impedimento, oferecendo menos resistência e enfrente sua condição de sujeição. Tais vicissitudes nos revelam que carregam consigo um imbróglio de tribulações, sejam de ordem familiar, sociais, legais, profissionais e de desequilíbrios familiares. Não é fortuito que alguns psicanalistas tenham buscado relacionar o fenômeno a outras patologias como a perversão, melancolia e a uma psicopatologia autônoma de natureza depressiva. Desde a modernidade, pelo embasamento deste nosso novo estilo de vida, há indiscutivelmente elementos que oportunizam o ingresso a dita desestrutura, tanto pelas exigências sociais, pressões profissionais, demandas familiares, acadêmicas, econômicas, que funcionam como gatilhos de pressão para alcançar um imaginário êxito, sucesso, construção da imagem em detrimento da realidade como um préstimo de influência para a compreensão dessa ocorrência habitual nestes dias. ''A relação entre o sujeito e as substâncias tóxicas é muitas vezes um espelho das relações intrincadas entre desejo, culpa e satisfação. Pode ser considerado um traço, retificado por uma busca incessante pelo objeto perdido ou um paraíso vivido outrora. Se acomoda em uma estrutura psíquica perturbada, utilizando a negação da angústia existencial que permeia a vida do acometido''. Dan Mena. Boa leitura.


Compreender desde a perspectiva da psicanálise.


Em ''Toxicomanias e Psicoanálises'', Le Poulichet explica que a dependência de uma substância é influenciada por dois fatores: um fisiológico e outro psicológico. Ambos são influenciados por um terceiro, o contexto socioeconômico e cultural em que estamos inseridos. Condições da vida contemporânea… “trazem consigo um modo pré-depressivo onde a perda de valores, a abdicação dos pais cada vez mais sobrecarregados pela velocidade da vida, perda da capacidade de viver com os filhos e a falta de sentido de responsabilidade, contribuem para o desenvolvimento de um modo pré-depressivo”. Essas esferas, empurram o indivíduo para a toxicodependência que representa o mal-estar cultural da nossa época. Dependências podem ser consideradas um descontrole, uma vez que o indivíduo pode decidir não as consumir, usar esporadicamente em pequenas quantidades, no entanto, após um certo tempo de consumo supostamente controlado, a pessoa perde o domínio e começa a utilizá-las compulsivamente. Tanto Freud quanto Lacan afirmam que o tema engloba dois problemas diferentes. Em primeiro lugar, a dependência nem sempre é dirigida a uma substância química em si; e, em segunda instância; o uso de agentes desta natureza nem sempre implicam em dependência. A deslocação do significante é necessária para um objeto adquirir a posição de vínculo. Neste sentido, "um indivíduo não se define pela toxicomania, mas pela estrutura inconsciente onde a droga é um efeito e não uma causa" (López, 2007). No início da sua teoria, Freud estabeleceu que todos temos pulsões, uma necessidade herdada primitivamente que exige que a mente seja satisfeita. Alimentação, sexo, autopreservação, estabilidade emocional, etc. e, deste ponto de vista, qualquer coisa, não necessariamente uma substância química pode se tornar uma interdependência. Da mesma forma, o conceito de inconsciente explica as manifestações psíquicas das quais não temos consciência. ''Inconsciente; significa adormecido, alheio ao que se passa à nossa volta" (Kahn 2002). ''Por outras palavras, se alude à parte da vida mental que funciona ocultamente e exerce uma influência poderosa sobre as atitudes e os comportamentos''. (Kahn, 2002).


Toxicodependentes arranjam motivos psíquicos para obter uma certa estabilidade quando a eficácia do sintoma não está disponível. A droga pode, portanto, atuar como um substituto ou um suplemento. É utilizada como um decalque supridor quando a própria existência dele(a) está em risco. É sempre uma tentativa de dominar o corpo enigmático, uma contrapartida a falta e ausência do ''Outro''. O tóxico cumpre uma função imaginária de fechar os orifícios do corpo, zonas erógenas, ao gozo do ''Outro''. No entanto o uso da droga como sua correspondência não é um sinal inequívoco de psicose, pois também pode ocorrer em outras estruturas. Para Le Poulichet, a "clínica da substituição" deve trabalhar na elaboração do corpo nos conjuntos pulsionais mediante construções transferenciais. O analista não deve fazer desaparecer o "objeto-droga", do paciente, o que mutilaria imediatamente a pessoa que ainda não constituiu um corpo, mas produzir essa transformação a partir da "elaboração de um sintoma", perfazendo que o real seja alienado a recursos imaginários e simbólicos.


Nem sempre estamos no modo racional.


Grande parte da nossa vida mental é inconsciente, portanto, nem sempre caminhamos no modo racional, ficamos expostos e desatentos às motivações que dela decorrem. A nossa matéria tenta elucidar o que leva um indivíduo a fazer o que faz, a pensar o que pensa e a acreditar no que pensa, é um ponto básico da prática psicanalítica, que pode explicar claramente o porquê das dependências na atualidade. Diferentes elementos permitem aliviar a dor existencial que nos acompanha ou a impossível satisfação dos desejos com que lidamos. Esta dor de existir pode ser referida como uma paixão pela evitação do sofrimento. O próprio ato do consumo de todo tipo de alucinógenos e intoxicantes químicos são utilizados para aliviar essa agonia, acabam por produzir subordinação e sujeição a elas, afunilando inevitavelmente para a produção de mais dor. O termo condição dolorosa citado por Freud fala desse hermetismo e seus significados. Essa condição ocorre quando há uma sobrecarga libidinal em alguma parte do corpo, quando um órgão é representante de uma ideia reprimida ou simplesmente, quando há uma insatisfação não realizada, (López, 2007). ''O padecimento emocional pode atravessar por uma anulação tóxica" (Freud, 1884/1980). Qual seria a profundidade da pergunta? O que ele quis dizer?; Que se pode fazer desaparecer a tortura de uma tribulação durante algum tempo. Nessa direção, a substância aditiva tem uma função: evitar a aflição, ao funcionar como uma barreira, a limitando, mas não intervindo na sua causa principal nem possibilitando a obtenção do gozo. Embora estas tenham sido ideias precursoras sobre o efeito das essências químicas, a primeira explicação que extraímos sobre as toxicomanias vem do campo da sexualidade infantil. A masturbação é o primeiro hábito a partir do qual vão surgir outros vícios, como ligações com o álcool, a maconha, cocaína, tabaco, etc., e que estes últimos, surgem como substitutos dos primeiros, (Abraham, 1908). Ele fala sobre relações psicológicas entre sexualidade e alcoolismo, onde menciona como a mecânica da sua ingestão funciona, sendo uma tentativa de compensar a impossibilidade de ter, manter e obter relações sexuais, (Gavlovski 2011). A masturbação é então considerada o vício primitivo de outros subsequentes que serão substitutos para ele, (López 2007). Em 1898, em ''Sexualidade e Etiologia da Neurose'', Freud afirma que nem todos iremos experimentar a introdução de intoxicantes, más, desenvolvemos posteriormente dependências correspondentes, compensando assim uma possível ausência de gozo. Nos casos em que não é possível estabelecer ou recompor uma vida sexual normal, a recaída é sempre certa. Esta última afirmação leva Freud a formular uma hipótese; "o aparelho psíquico só responde à lei da vantagem (…) seria logo incapaz de renunciar a uma satisfação se não lhe fosse oferecida em troca uma "compensação", isto é, um "plus de gozo" em troca desse gozo direto a que se renuncia".


Além da simples privação da substância.


O tratamento da toxicodependência requer uma abordagem holística que vai além da simples privação da substância ou objeto ao qual o indivíduo está viciado. De acordo com López (2007), essa abstinência deve ser acompanhada pelo aumento das satisfações do sujeito. Freud, em 1905, identificou semelhanças entre a neurose e a dependência, estabelecendo uma relação entre ambas, onde dita contenção da satisfação sexual era um elemento central. Em 1928, em sua obra "Dostoiévski e o parricídio", identifica um "novo vício", o do jogo, que substituía o onanismo na sua dinâmica; (o termo onanismo carrega o mesmo sentido geral de masturbação: o ato de autogratificação sexual, más, alude a uma conotação de pecado que o autor do livro Onania passa em sua obra, de alguma forma tomado pela psicanálise posteriormente.). Essa busca pela felicidade desempenha um rol apreciável na tóxico-dependência, na medida que somos motivados pela busca do comprazimento para evitar o desprazer e experimentar sensações prazenteiras. Em sua obra "O Mal-estar na Cultura" de (1930), destacou a importância de métodos destinados a evitar a dor psíquica, como distrações poderosas e satisfações substitutas. A droga como um removedor de dores, aliviando a carga da existência se vê mais relacionada com a redução das tensões do que com a busca direta pelo próprio regozijo. Seria portanto seu uso um subterfúgio, uma engrenagem do mecanismo de defesa para lidar com a insatisfação sexual e a dor de existir. Por outro ângulo, observemos a relação entre humor, intoxicação e cultura. O humor, ao rejeitar a possibilidade do sofrimento ocupa um lugar preponderante nos métodos desenvolvidos pelo aparelho psíquico para escapar as consternações. Em contraste, a dependência serve como um meio de evitar a realidade, é nesse trânsito será menos bem-sucedida do que o bom ânimo, pois o toxicodependente falha ao tentar encontrar esse alívio por essa via. A arte, seja no entanto no teatro, literatura, pintura, escultura, artesanato, etc; permitem que experimentemos o prazer mediante a elaboração de personagens fictícios, proporcionando um escape seguro, equilibrado e moderado a um embate. Compreender esses aspectos psicológicos será substancial para desenvolver estratégias eficazes de tratamento, que possam ir além da simples proposta de abstinência, abordando as reais necessidades emocionais e psíquicas dissimuladas.


''As adições e toxicomanias jogam em estruturas diferentes, com uma função distinta, não só nessas estruturas mas também em cada sujeito particularmente. Desta forma, podemos explicar a existência de uma variedade de relações dos sujeitos com as drogas ou mesmo as idênticas associações em diferentes posições subjetivas''. (Lora e Calderon 2010).


Como podemos sintetizar nossa visão do tema;


Natureza da dependência e a busca pela felicidade. Às pulsões, necessidades que buscam serem satisfeitas, como a alimentação, o sexo e a estabilidade emocional; "o homem procura a felicidade, quer se tornar feliz e não o deixar de ser", (Freud, 1930). Essa busca por contentamento pode levar à dependência, já que as pessoas frequentemente procuram substâncias para evitar a dor e experimentar sensações prazerosas.


Subterfúgios e intoxicação: A dependência como uma forma de evitar a dor e o desprazer da vida, seja por meio de substâncias tóxicas ou outros vícios, a um "removedor de dores", "a intoxicação é uma forma de reduzir as tensões", (Freud, 1930). As substâncias intoxicantes servem como subterfúgios para aliviar a insatisfação.


Substituição e compensação: Pode ser uma forma de substituição para necessidades insatisfeitas, como a sexualidade; "o álcool é frequentemente utilizado como uma forma de compensar a impossibilidade de ter relações sexuais", (Freud, 1908). Isso sugere que a dependência pode surgir como um suplente para outras formas de deleitamento.


Humor e defesa: O humor e a intoxicação são sistemas de defesa contra a dor psíquica. O primeiro é mais bem-sucedido do que a alantíase, porque se manifesta na linguagem e permite o acesso ao gozo. O álcool como uma substância que transforma o humor e enfraquece as forças coercivas da realidade, (Freud, 1930). Isso implica ser uma dependência é uma defesa contra a dor de existir.


A relação entre as dependências segundo Lacan.


Um passo adiante temos uma releitura de Lacan, que se baseou na reconstrução dos conceitos psicanalíticos de Freud, embora ele não tenha desenvolvido uma teoria completa ao respeito, suas contribuições abordam o fenômeno. Em 1938, publicou "A família': o fator complexo concreto da psicologia familiar", aqui introduziu a ideia de complexo em contraposição ao de instinto. Ele delineou o desenvolvimento psíquico em três estruturas sucessivas: o complexo de desmame, o de intrusão e o de Édipo. A relação entre as dependências, especialmente as toxicomanias de natureza oral, e o desmame, com sua influência determinante em fatores culturais onde o mesmo se torna um regulador. Assim, esse fator é assiduamente considerado um trauma psíquico, com possíveis efeitos devastadores, como a dependência. A rejeição ao desmame é repetida posteriormente pelo dependente por meio de um consumo tóxico compulsivo e crescente, evidenciando a relação estabelecida entre a compulsão dele(a) e o trauma dessa separação maternal. Dita repetição está conectada à fantasia da posse ilimitada do seio materno, que, por sua vez, representa a negação em aceitar o evento. Na época ainda não se haviam desenvolvido conceitos como o significante e a castração simbólica. Portanto, sua abordagem inicial das toxicodependências tinha uma interpretação mecanicista. Em 1946, no texto; "Sobre a causalidade psíquica", revisita o assunto do complexo de desmame e situa esse trauma ao nascimento. Essa abordagem ressaltou que; conforme descrita em "As toxicomanias à luz da psicanálise, uma revisão bibliográfica", se relaciona o desmame como resultado de um trauma não elaborado. Sua compreensão posterior foi além da perda do seio materno, sinalizando ele com uma ausência estrutural mais profunda, que se enunciava na forma da morte, que será resgatado pelo complexo de castração. A superação desse complexo envolve a simbolização da perda por meio do jogo, uma transposição para a linguagem de uma realidade inatingível. A falha em realizar essa passagem leva a uma repetição do fracasso em obter uma identificação com o gozo perdido, regularmente axiomático na ingestão de substâncias tóxicas. Já a relação com o desejo se organiza em um discurso no inconsciente que evita partir de premissas falsas, uma instância da relação perversiva que tenciona se esquivar do encontro com a insuportável falta de realidade. Na "Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano" (1959). "Da psicanálise nas suas relações com o real" (1967), sonda e fala sobre sua própria experiência com alucinógenos, concluindo que a intoxicação não é um meio válido para conhecer o inconsciente, mas, em vez disso, serve como recurso para sepultar o inconsciente. Uma trilha fictícia que proporciona uma ilusão de atingir uma verdade elevada e extraordinária que não vai passar de uma fantasia. A dependência tóxica, do ponto de vista da medicina, propõe um prisma divergente entre esperar por uma cura científica, pretendendo que o médico retire o paciente de sua condição de doente. Essa diferenciação, introduziu uma falha entre a demanda e o desejo do mesmo(a), agregando pressuposições éticas. Muitos dos medicamentos prescritos atualmente estão ligados ao gozo do corpo, levando o(a) dependente a outra dependência agravada, a dos psicotrópicos, que usa sabe do que estou falando.


Além do princípio do prazer.


As implicações do consumo de substâncias psicoativas, que abrangem os domínios social, familiar, profissional, estudantil e pessoal, representam um desafio secular de grande magnitude que exige prontamente uma resposta adequada. Em seu trabalho "Além do Princípio do Prazer" (1920), Freud já se debruçava na relação complicada entre a pulsão de morte e os comportamentos destrutivos conectados que estão ligados ao consumo de drogas. Embora seja importante reconhecer que a toxicodependência não é um objeto de análise em si, é igualmente ponderável considerar essa conduta como um antecedente que pode servir como um ponto de partida para uma análise mais abrangente da origem das necessidades do uso de drogas. Em seu seminário; "O Desejo e sua Interpretação" (1959), Lacan convoca a importância da linguagem na formação do desejo, incluindo a busca do alívio por seus meios. A discussão sobre a capacidade da toxicodependência em representar um sujeito válido para análise merece consideração. Notemos que embora o problema possa parecer destituído de sintomas articulados, à linguagem e à demanda em situações que efetivamente capturam a essência de um sujeito que podem ser identificadas dentro desse contexto. Em "Estudos sobre a Histeria" (1895), vemos que os sintomas psíquicos têm uma relação próxima com o inconsciente e a expressão linguística. Quando o tema é adequadamente compreendido, sê procura por uma tentativa de achar uma solução, um mecanismo de enfrentamento que visa preservar o equilíbrio mental do cliente. Ela canaliza as energias libidinais do exterior, criando uma forma de encapsulamento narcísico que embora seja uma defesa, representa uma ferida emocional aberta que exige um exame cuidadoso. Em seu trabalho; "Agressividade em Psicanálise" (1966), Lacan acrescenta o fator da agressividade, o qual é muitas vezes mascarado pela dependência como uma resposta a conflitos internos não resolvidos na adição, compulsão e vícios. Não é o sujeito em si, mas um hóspede, um parasita que se instala no indivíduo o consumindo vagarosamente. Seguindo Lacan, em seu seminário; "O Desejo e sua Interpretação" de (1959), se aproxima da ideia que o fenômeno representa uma fuga do sujeito da realidade e da demanda social, mas não é a própria identidade do sujeito que esta em jogo. A abordagem clínica deve considerar a distinção entre a posição teórica em relação ao dilema e o respeito pela experiência do sujeito. Como analistas, reconhecemos que o objetivo da terapia não deve se focar em eliminar o consumo de drogas, mas sim, tornar essa utilização uma consequência natural do processo terapêutico. Conforme foi sugerido em "Agressividade na Psicanálise" (1966), onde tais impulsos podem ser transformados em atos construtivos e positivos, se a terapêutica permitir que o paciente trafegue pelas suas emoções e conflitos internos de maneira segura. A questão é criar as condições para que o desejo, anestesiado pelo vício, desperte do estado narcotizado e comece a articular por uma demanda. Freud, em "Além do Princípio do Prazer" (1920), entrelaça a investigação quanto a essa repetição compulsiva como uma tentativa do ego em lidar com o trauma. Sendo assim, é básico que o analista forneça um espaço livre, no qual o paciente possa expressar livremente suas emoções e desejos reprimidos.


Uma prática caracterizada pelo fenômeno.


Portanto, ao invés de encerrarmos a janela no tratamento da toxicodependência na abordagem psicanalítica, abrimos todas às portas para uma análise mais aguda e cavada, onde os conceitos e teorias que sustentam a prática podem se desdobrar, integrar e iluminar sob aspectos anteriormente escuros da influência das substâncias psicoativas. Essa interpelação exige sim uma compreensão delicada e um compromisso com a complexidade da psicodinâmica da dependência, permitindo uma aproximação terapêutica mais eficaz e compassiva. O dependente como indivíduo da contemporaneidade tem a ver com o nome dado, ele(a) está(ao) inscritos, assim, como uma forma de designar uma prática; a toxicodependência, neste ponto, ele(a) nasce como um(a) protagonista; o dependente. Ele(a) deseja provar pelo consumo de drogas ou outras substâncias que o inconsciente não existe. Não é, portanto, um sujeito que está presente, senão aquele que se estabelece como uma figura pela sua prática, é independente desse lugar que ocupa ao afirmar sua adição e compulsão necessária para escapar à função fálica, essa que deseja extinguir do âmbito do concreto, escapar da dimensão do gênero. Essa fantasiosa estratégia que estabelece, lhe possibilita suportar dita convivência insustentável com o mal-estar na cultura. Dizer que ele não é um sujeito... falar que ele(a) não está nas leis do significante e que está sujeito às leis do inconsciente, e, portanto, uma narrativa que precisa ser encampada no terreno do desejo. O ''Outro'' não existe, e suas representações éticas subsistem como um condicionamento do próprio sintoma, uma vez que ele(a) esta fixado como sujeito pela prática e não pelo fenômeno em si. As dependências sejam tóxicas ou não, aumentaram sensivelmente na nossa sociedade a um ritmo frenético, difícil de medir, mais sabemos que é um grande problema de saúde pública. Diante desta situação a psicanálise tem muito a contribuir e dizer, ajudamos a compreender o tema sob uma visão muito singular, aquela que se passa com a pessoa por detrás da toxicodependência que ninguém quer ver. Temos ferramentas de articulação teórica e prática na clínica, capazes de responder à altura desta situação preocupante, que se faz presente em todas as camadas da sociedade sem nenhuma diferenciação.


Ao poema;

Não é o vício — Fernando Pessoa.


Não é o vício

Nem a experiência que desflora a alma:

É só o pensamento. Há inocência

Em Nero mesmo e em Tibério louco

Porque há inconsciência. Só pensar

Desflora até ao íntimo do ser.

Este perpétuo analisar de tudo,

Este buscar duma nudez suprema

Raciocinada coerentemente,

É que tira a inocência verdadeira

Pela suprema consciência funda

De si, do mundo, de todos. Guarde, guarde

Fora do vício e do vil mundo além

Em gruta ou solidão o eremita;

Se o pensamento vir tudo

(...)

Pensar, pensar e não poder viver!

Pensar, sempre pensar, perenemente,

Sem poder ter mão nele! Ah eu sorrio

Quando às vezes eu noto o inconsciente

Riso vazio do bandido,

Rindo-se da inocência! Se ele soubesse

O que é perder a inocência toda...

Não a inocência vã do corpo ao olhar,

Ou vulgar e banal conhecimento,

Mas a inocência bela do viver;

De sentir — seja mesmo como ele

Esse (...) escravo do deboche-seja!

Sentir um sentir que abertamente

Se não ache vazio.


O Tédio! O Tédio quem me dera Tê-lo!

Se os (...)

Soubessem o que eu sinto. Eles não pensam

E eu... e eu...


Até breve, Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130

 
 
 

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