Pecado - Prazer e Perdão.
- Dan Mena Psicanálise
- há 4 dias
- 18 min de leitura

A Luta entre Sexualidade, Culpa e Perdão
A culpa, basta mencionar essa palavra para que algo em nós desperte, como se ela carregasse um peso universal, uma ressonância que se faz ouvir em nossos recantos mais íntimos, privados e silenciosos. É, sem dúvida, uma das emoções mais robustas e paradoxalmente destrutivas que podemos transportar na alma. É a sombra que acompanha nossas escolhas, a voz que questiona os desejos, e o retrato que mostra as partes de nós mesmos que preferíamos não encarar de frente.
Precisamente, quando falamos de sexualidade essa força se intensifica. O sexo, que deveria ser uma expressão de prazer, se torna um campo minado por compunções, medos e julgamentos. Mas, onde há alguma transgressão dos pactos, também pode haver perdão. Particularmente nesse delicado equilíbrio entre essas duas forças paralelas que encontramos a oportunidade de nos libertarmos e reconciliarmos com nossa essência primitiva.
Culpa e perdão se cruzam em grande maneira com a sexualidade, inclusive, inesperadamente, afinal é uma das dimensões importantes da vida social. Uma potência que nos conecta ao outro, mas que também nos confronta. Precisamente nessa contenda, encontrar um espaço confortável para se instalar. De onde vem essa contrição? Era uma pergunta que me fazia com frequência antes de estudar psicanálise, e a resposta raramente era simples ou única. Em muitos casos, encontrava alguma relação com a sexualidade, interpretava isso como mensagens que recebia de forma inconsciente que pareciam ter alguma associação com minha infância. Obviamente que mais adiante, na minha própria análise as fichas foram caindo. A leitura parcial, seria que somos socializados em um mundo que envia sinais conflitantes sobre o sexo. Por um lado, somos bombardeados por imagens que celebram a sexualidade como uma forma de poder, sucesso e realização. Por outro, fomos ensinados – de forma sutil ou explícita – que há algo de muito errado no ato de desejar ou de se entregar totalmente a algum prazer.

Essas correspondências mentais internalizadas de maneira inconsciente, criam uma dicotomia que pode ser cruel na maturidade. Por exemplo; uma mulher educada em um ambiente hostil, onde a sexualidade feminina era reprimida ou estigmatizada, cresceu seguramente com sentimentos de vergonha em relação ao seu corpo e desejos. Mesmo que intelectualmente ela reconheça que não há nada de errado em buscar jucundidade ou em explorar sua excitação, emocionalmente ela pode se sentir imputada e envergonhada como se estivesse violando alguma regra invisível. Essa provável bolha primaria de culpabilidade não se limita às mulheres. Homens, também enfrentamos as próprias batalhas, geralmente relacionadas à pressão social para desempenhar super papeis, para dominar, conquistar, prover, "provar" a masculinidade, etc. Essas expectativas gerais como padrão, podem gerar uma relativa deserção das emoções naturais e desejos, alimentando um pungimento que embora diferente, é igualmente paralisante e totalmente frustrante. Mas ela não é exclusivamente um produto da sociedade, também pode estar sedimentada em experiências pessoais. Um relacionamento abusivo, uma traição, perda ou afastamento de um amor, uma decisão afetiva que sentimos ter sido um "erro" – todas essas situações entre outras tantas, podem deixar cicatrizes emocionais que se manifestam como tal. No campo da sexualidade essas balizas e indicadores podem ser altamente dolorosas. O sexo, em sua raiz, é por si um ato de vulnerabilidade e exposição. Um momento único no qual nos despimos – literal e metaforicamente – onde nos mostramos ao outro em nossa forma mais crua. Assim, quando algo dá errado, e quase sempre acontece, nesse espaço de fragilidade ela pode se tornar uma companheira persistente, sussurrando que somos de alguma forma defeituosos(as), incompletos, indignos ou imperdoáveis. Por consequência chegamos ao perdão. O que significa perdoar no contexto da sexualidade? Como podemos perdoar a nós mesmos dos equívocos dos ''outros''? Essas não são perguntas corriqueiras, mas acredito que elas são básicas para qualquer pessoa que deseje se libertar das amarras da contrição, e viver sua sexualidade de forma plenária. Não é um ato de fraqueza ou rendição, pelo contrário, é um exemplo de coragem. Significa enfrentar aquilo que dói, reconhecer feridas e escolher não permitir que elas nos abatam. No espectro do amplo contexto da sexualidade, começa com a aceitação, acolhendo sensivelmente que somos humanos, que cometemos erros, nos equivocamos, que temos desejos, que nem sempre sabemos o que fazer com eles ou como agir perante ‘’N’’ situações diversas. Aceitar que a perfeição é uma ilusão, principalmente a do ''outro'', e que a beleza do erótico está em sua falha, na capacidade de alguma forma de nos conectarmos além do puramente racional.
Caminho para o Perdão
Mas, tudo isso também exige trabalho, não é uma tarefa automática ou que possa ser forçada. É um processo que requer introspecção, paciência, empatia, e compaixão – por nós mesmos e por terceiros. Aquilo que carregamos em relação à sexualidade não é apenas nosso, é quase sempre compartilhado e coletivo. Resultado de interações, de expectativas não correspondidas, de mágoas e mal-entendidos, e principalmente, das nossas próprias projeções. Para remir esse quadro, precisamos estar dispostos a reconhecer essas dinâmicas e liberar-nos do seu peso.
Por exemplo, uma pessoa que se sente culpada por um relacionamento que terminou de forma traumática pode descobrir através da remissão, que o acontecido não é inteiramente da sua autoria. Se faz necessário assimilar que, embora se tenham feito escolhas que contribuíram para o fim do relacionamento, esse desenrolar era, em muitos dos casos, uma tentativa de lidar com suas próprias dores e limitações. Ao reconhecer isso, ela(e) pode(m) começar a se doar empaticamente – não com um ato de desculpa, mas como uma ação de aceitação. Importante notar que ditas atitudes não significam colocar a conta no esquecimento, desmemoriar ou apagar o passado. Significa em termos perceptivos reintegrar o pretérito de uma forma que permita seguir em frente. Isso pode evidenciar, passar por, e confrontar as mensagens que internalizamos sobre o sexo enquanto tudo, questioná-las. Revelar nosso passado com curiosidade em vez de cravar julgamentos, possibilita denotar e abrir espaço para criar novas narrativas, outras maneiras de criar laços com nosso corpo, desejo e parceiros. No final das contas, a simbiose desses elos, sexualidade e sexo é uma trilha de traquejos pessoais. Eles nos desafiam a confrontar sombras, abraçar vulnerabilidades e a reconciliarmos com quem somos. Certamente, nunca é uma tarefa fácil, destarte, seja ao fim, num determinado ponto, uma incrível conquista libertadora. Quando nos permitimos perdoar – estamos antes que nada se perdoando, – abrimos lugares expressivos para o prazer, para a ligação e o amor, e não existe nada mais poderoso do que isso. Que histórias têm contado a si(a) mesmo(a) sobre a sexualidade? E como seria se por um momento concedermos a oportunidade de saldar essa conta – e entender as circunstâncias singulares de um perdão? Absolver não é somente ''função do padre'' – é também uma chance pessoal de crescimento que nos pertence creditar. São janelas vanguardistas que começam por desculpar a própria incapacidade de se redimir das mágoas recebidas. A culpa se instala silenciosamente, está muitas vezes condicionada às normas sociais, valores familiares, morais, religiosos e éticos. Se manifesta em diversas áreas da vida nos impedindo de seguir o futuro, pesando sobre nossas cabeças em determinadas escolhas e influenciando a autoestima. Por outro lado, surge como um caminho, porque o ressentimento ensina, e não significa minimizar seus motivos, seja qual for a causa da sua instauração. Reelaborar o sofrimento, angústia, ódio, rancor, é permitir retirar o fardo paralisante da reclamação, da queixa, o desejo de vingança e a autocrítica excessiva. Você já se perguntou por que a culpa parece ser um sentimento tão persistente e entorpecente? Mesmo quando desejamos perdoar do fundo do coração, encontramos barreiras, montanhas internas que parecem intransponíveis?

Esses são dois lados de uma mesma moeda emocional, seguramente moldadas pela singular história pessoal e pelas dinâmicas inconscientes que governam nossa mente. No entanto, elas não são apenas questões privadas que atravessam cada um, senão todas as culturas e épocas.
"Perdoar é se libertar da prisão emocional construída pelas mãos do ressentimento e da dor." – Dan Mena.
Vamos imaginar a seguinte situação: você está navegando pelas redes sociais e se depara com uma lembrança de um erro passado, algo que você preferiria ou gostaria de esquecer. Esse momento de exposição pública, de uma falha pessoal acontecida pode desencadear uma espiral de remorso e autocrítica. Em um mundo onde a privacidade está se tornando cada vez mais escassa, lidar com tais emoções como a contrição se tornou um desafio quase diário para a maioria. Além disso, o ato de remir é assiduamente romantizado como algo simples, mas, na verdade, é um processo que exige muita pacificação, articulação e ponderação, um tripé sensível ao ser contemporâneo. Esse lugar é de difícil acesso quando se trata de relevar. Vivemos uma era em que as redes amplificam nossos equívocos e, simultaneamente, banalizam o ato de poupar o ‘’outro’’. A psicanálise – desde Freud até os pensadores atuais – nos mostram que essas expressões emotivas são mais intrincadas do que aparentam. Elas não residem apenas na superfície da nossa consciência, mas afloram das camadas sondas do inconsciente, carregando seus significados icônicos, simbólicos e arquetípicos.
"A culpa não é um peso, mas uma bússola que aponta para os aspectos de nós mesmos que clamam por transformação." – Dan Mena.
A culpa está enraizada na dinâmica do superego, uma das três estruturas psíquicas do modelo estrutural da mente, juntamente com o id e o ego. Desempenha o rol da instância moral e ética, representando as normas, valores e ideais internalizados a partir da convivência com figuras de autoridade, como os pais, cuidadores e com a sociedade, que internalizam essas regras impostas pela civilização, assim, elas julgam e regulam nossos comportamentos. Surgem, portanto, do conflito entre o id, que busca satisfação imediata dos desejos, e o superego, que impõe essas restrições e limitações aos princípios elaborados. Esse repto interno pode gerar angústia e desconforto psíquico, que muitas vezes é difícil de compreender e superar. Indivíduos que experimentam altos níveis de culpa são mais propensos a desenvolver transtornos mentais e emocionais. Essa carga adicional pode se manifestar em comportamentos autodestrutivos, ansiedade, depressão e dificuldades em travar relacionamentos interpessoais.
Mas como podemos usar essas ferramentas para nosso benefício? Como conseguimos aliviar esse embaraço da culpa e alcançar o perdão genuíno?
Vamos logo fazer a primeira parada no trem da vida e indagar. Por que a culpa parece insuperável, invencível e irremovível?
''O transtorno da culpa é aliviado quando compreendemos que erros não definem quem somos, mas como podemos evoluir com eles." - Dan Mena.
Surge como um mecanismo de sobrevivência psíquica formatado pelas interações com figuras parentais e pela internalização das normas culturais que absorvemos durante a existência terrena. No entanto, quando não resolvida, ela pode se transformar em um fantasma obstinado, que bloqueia o crescimento emocional. Buscar a reconciliação interna não é apenas um ato de autocura, mas também um movimento de libertação das amarras do passado. Por essa razão Nietzsche afirmou com a seguinte perspectiva:
"O perdão é a vingança dos fracos".
É realmente um ato de fraqueza ou uma expressão de força?
Qual seria sua opinião a respeito?
"A culpa mal compreendida se transforma em corrosão emocional; quando acolhida, um alicerce para a maturidade." - Dan Mena.
Em uma comunidade global que valoriza a perfeição e a meritocracia, pode ser exacerbada por expectativas irreais e pela constante comparação que fazemos com outros. Byung-Chul Han, em sua obra "A Sociedade do Cansaço", argumenta que vivemos em um tempo onde a autocobrança e a busca incessante pelo sucesso geram sentimentos de inadequação, logo a culpabilidade, que também nasce da comparação. Nesse quadro, ela emerge como um ato de resistência, uma escolha consciente de abandonar a rigidez do superego e abraçar a indulgência. Sua prática, é uma das estratégias mais eficazes para lidarmos com ela. Tratar a si com a mesma gentileza que oferecemos a um amigo pode romper esse ciclo vicioso de autocrítica e promover a tão aclamada e libertadora cura emocional. Portanto, um caminho viável seria reconhecer que esse itinerário direto ao perdão é absolutamente pessoal e único para cada indivíduo. Seguindo aqui o que sabiamente Jung expressou:
“O que negamos nos subjuga; o que aceitamos nos transforma.” - Jung.
"A culpa nos aprisiona ao passado, mas o perdão abre suas portas para elaborar um presente de soberania." - Dan Mena.
A Natureza da Culpa
Qual é a verdadeira biogeocenose da culpa? Será que é apenas um sentimento de remorso pelas ações cometidas ou há algo mais entranhado nela?
Melanie Klein, em seus estudos sobre posições esquizo-paranóides e depressivas, sugere que pode estar associada a fantasias inconscientes de destruição e reparação. Essa visão nos ajuda a entender por que pode ser tão persistente e difícil de lidar. Lacan, por sua vez, nos oferece uma perspectiva diferenciada. Para ele, está ligada ao conceito de "Grande Outro" – a instância simbólica que regula e julga nossas ações. É algo que não apenas sentimos, mas que também nos é imposto pelo contexto em que estamos inseridos.
"Não carregamos a culpa apenas pelo que fizemos, mas pelo que o 'Grande Outro' espera de nós, moldando nosso ser no tribunal invisível do simbólico." - Dan Mena.

A Natureza Interdisciplinar
Para compreender completamente ambos os termos, é muito adequado adotar uma abordagem interdisciplinar, incorporando a psicologia, sociologia, teologia e filosofia. Essa perspectiva maior permite que consideremos suas múltiplas dimensões.
"A interdisciplinaridade nos ensina que a culpa e o perdão são entrelaçados, entre ética, religião e sociologia, elas moldam nossa existência." – Dan Mena.
A teóloga Miroslav Volf, em seu livro "Exclusion and Embrace", discute o perdão como um ato de reconciliação que vai além da justiça, promovendo uma nova forma de coexistência pacífica. Volf expõe que não se resume à renúncia de um ato de vingança, mas envolve a criação de um espaço para a renovação das relações, onde a justiça restaurativa substitui a retributiva.
"Ao perdoar, não renunciamos à justiça, mas levamos tudo para o espaço restaurativo, onde a reconciliação é a nobre vingança." – Dan Mena.
Da mesma forma, Emmanuel Levinas vê o tema através da lente da ética da alteridade, onde o perdão é uma responsabilidade inalienável em relação ao outro. Para ele, a relação ética é a base da nossa humanidade, e a culpa emerge como um reconhecimento da intrínseca falibilidade e da obrigação para com o próximo. O perdão, nesse sentido, é um ato de transcendência que libera as amarras do decorrido e nos permite uma renovação. Na sociologia é vista como um mecanismo de controle social.
A culpa funciona para manter a coesão social, internalizando essas normas e valores que regulam a conduta. Nesse âmbito, pode ser entendido como uma ferramenta de reintegração social, que permite a restauração das relações rompidas e a reconstrução do tecido social.
"Durkheim nos lembra que a culpa não é apenas uma emoção pessoal, mas um mecanismo que reflete a necessidade de pertencimento em sociedades regidas por normas compartilhadas." – Dan Mena.
A psicologia nos fornece uma compreensão detalhada dos processos internos que geram a culpa e facilitam o perdão. Teorias como a da ''dissonância cognitiva'' de Leon Festinger explicam como o desconforto entre crenças e ações pode levar a esses sentimentos, e como a resolução de tal discordância pode ser alcançada mediante mecanismos de justificação ou da mudança comportamental. Destarte, as abordagens terapêuticas, como a Terapia Cognitivo-comportamental (TCC) e a Terapia Focada na Compaixão (TFC), oferecem estratégias práticas e eficientes. A psicanálise se beneficia enormemente dessa multiplicidade interdisciplinar, pois permite uma compreensão mais holística e integrada dos fenômenos psíquicos. A colaboração entre diferentes áreas do conhecimento enriquece a teoria e a prática da nossa clínica, sob novas perspectivas e métodos de intervenção. Ao integrar esses quadros, podemos abordar o tema de maneira mais abrangente, considerando não apenas os processos internos do indivíduo, mas também outros contextos subjacentes.
"Perdoar não é esquecer, mas registrar com sabedoria, libertar o outro e a si da clausura da reprodução simbólica." - Dan Mena.
A Dimensão Cultural
As normas religiosas e morais desempenham um elemento chave na formação do superego, que, por sua vez, regulam essas vivências com a matéria. A tradição judaico-cristã, enfatiza a culpa como um reconhecimento do pecado e a necessidade de expiação. Esta concepção é sobremaneira enraizada na psique ocidental, que influencia tanto a prática religiosa quanto a ética secular. Autores como Freud e Erikson discutiram como a interiorização dessas normas podem levar a embates. Freud, em particular, a associou ao desenvolvimento do superego. Erik Erikson, ampliou o tema freudiano ao considerar a importância das etapas do desenvolvimento psicossocial. Assim, assinala, que surge especialmente durante a fase da "iniciativa vs. culpa", que ocorre entre os três e os seis anos de idade. Nessa fase, a criança começa a desenvolver um senso de iniciativa, mas pode também sentir culpa ao perceber que certas ações ou impulsos são inaceitáveis para os padrões dos adultos. Essa lide entre a busca por autonomia e a necessidade de conformidade contribui para a formação da identidade e pode gerar persistente direcionamento.
"A justiça restaurativa, ao substituir a retributiva, nos mostra que as verdadeiras reparações não são punitivas, mas relacionais, aquelas que promovem a paz." – Dan Mena.

A Visão Oriental
Nas culturas orientais, a culpa é vista de uma maneira mais coletiva. As sociedades deste continente, como as japonesas e coreanas, valorizam a harmonia social e a interdependência dos indivíduos dentro da comunidade. Nesses âmbitos, tratar dela não é apenas uma questão de responsabilidade pessoal, mas também de manter o equilíbrio e a honra do grupo. A vergonha e a perda de face são componentes importantes na experiência deles. O sociólogo Erving Goffman aborda isso em seu estudo sobre a apresentação do ''self'' na vida cotidiana. Ele argumenta que, em sociedades orientais, a culpa e a vergonha estão ligadas às normas e à necessidade de preservar a imagem pública. Isso implica que também é uma experiência coletiva, envolvendo a restauração da honra e da harmonia no grupo.
O Perdão nas Diferentes Culturas
Também varia amplamente entre culturas. No Ocidente, é visto como uma ação individual, uma escolha pessoal de liberar a raiva e a dor. Já nas culturas orientais, pode ser um processo comunitário, onde a reconciliação e a restauração das relações sociais são premissas fundamentais.
"Perdoar, na perspectiva filosófica, é considerar no outro uma alteridade inalienável, um chamado que transcende os limites do ‘’eu’’." - Dan Mena.
Recentemente li "Exclusion and Embrace", nas páginas deste livro fascinante fui muito tocado pelas suas reflexões. Ele nos guia admiravelmente via um terreno emocional e intelectual hermético, dando uma compreensão sobre o perdão como ferramenta que pode transformar tanto indivíduos quanto sociedades.
"O perdão não é um ato passivo, senão uma revolução interna que desarma a exclusão e reconstroi caminhos para a dignidade compartilhada." - Dan Mena.
Ele começa descrevendo a alienação como uma das maiores instigações que enfrentamos nas relações interpessoais. Ao tratar o outro como um indesejável, desumanizado, nós o excluímos de nossa esfera de compaixão e justiça. Esse popular ''cancelamento'' é uma conduta que não se limita apenas às interações, mas que se estende a estruturas sociais, políticas e culturais. Tal prisma me fez considerar sobre as formas sutis e não tão tênues de segregação que ocorrem ao nosso redor e percorrem dentro de nós mesmos. No centro da sua obra está a ideia de que o perdão é determinante para superar essa subtração social e promover a inserção. Ele nos desafia a enxergar o tema como algo muito mais alto do que simplesmente renunciar ao ressentimento. Entendi aqui, que perdoar é um movimento ativo em direção à reconciliação, não é apenas esquecer ou minimizar a ofensa, a traição, ou tudo aquilo que possa ser considerado como tal, mas sim aceitar autenticamente o ofensor como um ser digno de compaixão e respeito.
"Seguir o caminho da escusa é resistir à lógica do cancelamento, optando por uma ética de acolhimento." - Dan Mena.

A aproximação teológica de Volf fundamenta essa prática na doutrina cristã, destacando que, assim como Deus perdoa incondicionalmente, nós também somos chamados ao ato reciprocamente. Esse entendimento como uma imitação do amor divino, oferece uma nova chance sem exigir nada em troca. Ele foi amplamente inspirado pelo filósofo francês Emmanuel Levinas, pois aborda o assunto através da ética da diversidade. Vejo nisso uma espécie de responsabilidade que temos em relação ao outro, uma resposta ao chamado ético. É também um estímulo provocativo que afronta a tentação de desumanizar aqueles que nos feriram e os que ferimos, e nos convida a reconhecer o semelhante de forma fraterna.
"Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós; se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas." (Mateus 6:14-15).
Ele não deve de forma alguma perpetuar a injustiça ou isentar os opressores de seus deveres. Em vez disso, devemos criar uma dimensão de justiça restaurativa, onde se abra o caminho para a reparação, restituição e a renovação das relações quebradas. Este é um conceito que ressoou intimamente em mim, pois lida diretamente com a possibilidade de reconciliação em um mundo imperfeito.''Ele não nos trata segundo os nossos pecados, nem nos retribui conforme as nossas iniquidades. Pois como os céus se elevam acima da terra, assim é grande o seu amor para com os que o temem; e como o Oriente está longe do Ocidente, assim ele afasta para longe de nós as nossas transgressões" (Salmos 103:10-12).
Volf, usa a imagem do abraço como uma metáfora poderosa para a inclusão radical do outro. Esse acolhimento requer que abramos nossos braços e coração, simbolizando a disposição de receber o outro integralmente, apesar das suas transgressões. Esse gesto não é simples metáfora, exige sim um compromisso ativo com a construção de uma comunidade baseada na consideração do semelhante.
"A alegoria do abraço, tão poderosa em Volf, nos ensina que o perdão não exige conivência com o erro, mas presume coragem para acolher o ‘’outro’’, com um gesto de empatia." – Dan Mena.
O perdão liberta o ofendido do encapsulamento emocional do ressentimento e da amargura, permitindo uma vida mais autêntica. No nível social, tem o potencial de romper ciclos de violência e retaliação, promover a paz e a justiça a longo prazo. Logo, praticado de forma genuína, pode ser uma força poderosa para a mudança positiva. Destarte ele seja um defensor firme do perdão, também reconhece seus quadrantes limitadores. Pode ser extremamente difícil sua aplicação, especialmente em casos de ilegalidades graves e traumas hediondos. No entanto, devemos insistir, que o perdão, embora exigente, é primordial para a cura em qualquer norte.
''O perdão é a semente que, ao germinar, quebra as correntes do passado e liberta a alma. Sua verdadeira força reside na capacidade de restaurar o que foi perdido, sem jamais ignorar a justiça'' - Dan Mena.

O Impacto Gerado
Tenho refletido sobre o choque que a culpa exprime, aprendi que ela não é simplesmente algo a ser superado, mas sim uma força psíquica, uma singularidade cravada na história pessoal das nossas interações e relações com o ''outro'', logo, isso inclui um espectro muito personalizado. Quando me deparo com questões que envolvem o tema, percebo o quanto isso realmente atua em nossas vidas de maneira intensa e, muitas vezes, inconsciente. Quando não integrada ou resolvida, pode ser um arcabouço, que pode nos manter aprisionados a um passado que não conseguimos deixar ir. E, ao mesmo tempo, sinto que temos a chave para abrir a porta. Mas, ao contrário do que muitos acreditam, o perdão não é algo que oferecemos ao outro, a conciliação é sempre um processo que exige antes que nada tempo, depois, sim, trabalho, reflexão e renovação com nossas experiências mais dolorosas.
"Perdão não é uma dádiva que oferecemos ao outro; é um processo interno que nos exige confrontar nossas próprias sombras, aceitar a dor e buscar a cura, para então estender um gesto de reconciliação legítima." - Dan Mena.
Como analista fui além, entendendo que não é uma denúncia de atos, mas uma manifestação de desacordos internos. Como mencionei anteriormente, o superego, com sua necessidade de controle, cria uma vigilância constante sobre nossas ações e pensamentos. Cada erro, cada falha, é apontada em nosso nariz, criando uma oportunidade para a culpa se manifestar. Em algumas pessoas, essa sensação vira autocensura e autojulgamento. Mas, ao mesmo tempo, esse mesmo superego que aponta, é necessário para a formação da moralidade. O problema surge quando ele se torna excessivo, e se sobrepõe ao ego gerando aflição. A culpa, nesse caso, não está relacionada a um erro ou falha real cometidos, mas sim a uma percepção distorcida do que é “certo” ou “errado”, geralmente exagerados.
"Em sua forma mais destrutiva, a culpa nasce da sobrecarga de um superego que não admite falhas e, ao se sobrepor ao ego, se perde na ilusão de perfeição." - Dan Mena.
Em relação ao outro segue mais ou menos uma dinâmica muito semelhante. Quando alguém nos machuca, a culpa não procede apenas do ato cometido, mas da nossa incapacidade de lidar com o desgosto causado. Não seria assim uma simples concessão, mas uma escolha de se livrar da mágoa, de deixar de carregar o rancor e o ódio que possam ter ocasionado. Para ser genuíno, exige uma conversão, ele não anula o erro do outro, mas permite que a relação se renove, que o vínculo seja arranjado de uma maneira saudável, então, a vida segue. Esse remendo, por assim dizer, não é fácil de aplicar, pois muitas vezes nos sentimos extremamente golpeados(as) e a mágoa toma conta. No entanto, ao admitir perdoar, estamos permitindo que o laço se restabeleça, seja qual for, e evolua positivamente.
"Culpa real e fictícia se confundem no campo da psique, mas apenas a compreensão de ambas podem nos permitir distinguir o que realmente precisa de reparo e o que pertence à nossa própria projeção fantasiosa." - Dan Mena.
É importante salientar também a diferença entre culpa real e fictícia. A culpa real está relacionada a ações ou omissões que, de fato, causaram dano a nós ou aos outros. Já a culpa ficcional impõe uma sensação, essa que surge sem uma base concreta, habitualmente originada de expectativas e pressupostos projetados ou de um superego demasiado crítico.
"Perdoar não é esquecer, mas uma decisão de não permitir que o rancor dite a direção de nossas vidas; é um ato corajoso de buscar a evolução do vínculo, mesmo diante da dor." – Dan Mena.

"Sede bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo." (Efésios 4:32).
O Poder do Perdão na Perspectiva Divina
O perdão não apaga a dor, mas a ressignifica; não elimina o passado, mas o reintegra à história pessoal de forma que ela possa ser vivida sem a destruir. E assim, o ciclo de pesar do ato se torna não apenas uma trilha individual e leve, mas, uma força coletiva. Ele existe como um lembrete de que somos todos, em última análise, interligados por nossas vulnerabilidades, fragilidades, fraquezas e imperfeições compartilhadas, e também, da nossa grande capacidade de amar e recomeçar às fases. Este assunto é um atributo central do nosso criador, conforme escrito em inúmeras passagens bíblicas. Deus é misericordioso e compassivo, sempre disposto a poupar aqueles que se arrependem de coração. Esse ângulo, nos oferece uma penetração espiritual da fé ao ato de perdoar, sugerindo que, ao perdoarmos mutuamente, estamos imitando o caráter divino e acolhendo a graça que nos é oferecida, gratuita e incondicionalmente.
"Eu mesmo sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim, e dos teus pecados não me lembro." (Isaías 43: 25).
Consultas Bibliográficas
Freud, S. – O Mal-Estar na Civilização (1930)
Jung, C.G. – Aion: Estudos sobre o Simbolismo do Si-mesmo (1951)
Klein, M. – Inveja e Gratidão (1957)
Lacan, J. – Escritos (1966)
Nietzsche, F. – Genealogia da Moral (1887)
Volf, M. – Exclusion and Embrace (1996)
Levinas, E. – Totalidade e Infinito (1961)
Fromm, E. – A Arte de Amar (1956)
Durkheim, E. – As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912)
Goffman, E. – A Representação do Eu na Vida Cotidiana (1959)
Han, B.-C. – A Sociedade do Cansaço (2010)
Erikson, E. – Infância e Sociedade (1950)
Bowlby, J. – Apego e Perda (1969-1980)
Perel, E. – O Coração do Acontecimento (2006)
Frankl, V. – O Homem em Busca de Sentido (1946)
Hillman, J. – O Código do Ser (1997)
Campbell, J. – O Poder do Mito (1988)
Nussbaum, M. – A Fragilidade da Bondade (1986)
Palavras Chaves
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Até breve, Dan Mena.
Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.
Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Departament of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192.
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