O Inconsciente.
- Dan Mena Psicanálise
- 18 de abr. de 2023
- 9 min de leitura
Atualizado: 22 de set. de 2024
“Não somos senhores em nosso próprio lar” Freud.
Na nossa mente há algo inconsciente que intervém na forma como pensamos, agimos e sentimos. Freud desenvolveu um modelo da mente usando um iceberg como analogia, um exemplo lúdico, que pode ser facilmente compreendido. Por Dan Mena.

Será que temos noção real do quanto o inconsciente afeta nosso comportamento consciente?. Neste artigo apresento seus efeitos, resultados, consequências e implicações, antecipando, que provadamente mais de 95% da nossa atuação perante a vida, se encontra nesse contexto. Mais existe um lugar para ele? Qual seria?. Um tema muito interessante, que toca intrinsecamente cada um de nós. Boa leitura.
Na nossa mente há algo inconsciente que intervém na forma como pensamos, agimos e sentimos. Freud desenvolveu um modelo da mente usando um iceberg como analogia, um exemplo lúdico, que pode ser facilmente compreendido. Neste protótipo, ele indica às peculiaridades da estrutura, atribuição e papéis que ele desempenha. A nossa consciência psíquica, encontra-se na superfície, onde todos os pensamentos ocorrem, nesse espaço, e concentramos nossa atenção e foco, a fim de nos desenvolvermos, dar respostas e gerar ações. O pré-consciente, é onde tudo pode ser resgatado, agrupado, recomposto e lembrado com facilidade pela nossa memória. A seguir, a parte mais significativa é a chamada terceira região, nela, encontramos o inconsciente, amplo, enigmático, misterioso e sempre infindável. Acompanhando a representação que Freud faz, seria à parte do iceberg que não vemos, (submersa), mas, ocupa a maioria da mente.

O inconsciente, num plano para além da consciência, é uma entidade viva, real, caótica e crucial para a mente humana. Obter um acesso direto a sua interpretação e leitura, é um impossível, (pelo menos até hoje), mas que se revela e exterioriza através dos sonhos, de nossos lapsos e dos atos falhos. (Os atos falhos, podem ser classificados da seguinte forma: a) Lapsos da língua; b) Esquecimentos; c) Equívocos na ação; e d) Erros. Podem acontecer combinados entre si, ou seja, mais de um tipo deles manifestado em conjunto. Diferem do erro comum, ao possuírem significado, resultando da formação de um compromisso entre o Inconsciente e o Consciente. São manifestações do que foi reprimido pela nossa consciência, e que, deste modo, como um “engano”, podem aparecer, revelando sua intenção inconsciente de serem satisfeitos). O inconsciente é externo e interno. Externo, porque afeta o nosso comportamento, interno porque se estende à nossa consciência.
A vida psíquica é povoada de pensamentos eficientes, embora inconscientes, de onde se originam sintomas. O inconsciente, não é um lugar anatômico ou fisiológico, existe como um espaço sideral, psíquico, com conteúdos, mecanismos, e uma energia própria muito específica. Tornou-se um termo amplamente utilizado, referindo-se a algo bastante particular e singular. Freud, rejeitou a noção de que poderia ser uma “segunda consciência” e criticou a visão mística anterior, que os seres humanos estaríamos ligados a um inconsciente universal. Uma primeira definição poderia ser: ''Todo o conteúdo mental que não se encontra na consciência, dificilmente pode ser acessada pelo sujeito''. O inconsciente contém desejos, quereres, instintos, recordações e memórias, muitas, que reprimimos como inaceitáveis para a vida social. Isto pode ser entendido, como nossos efetivos julgamentos de si, avaliações morais e éticas. Sua localização, pode ser identificada na camada mais profunda da mente, caracterizada na psicanálise com o Id. Contudo, parte do super-ego, também pode ser incluída no inconsciente, enquanto nem sempre somos conscientes das próprias avaliações morais, e como elas impactariam nosso comportamento psíquico e suas decorrências. A mente não consciente, pode ser dividida em duas regiões: a não consciente, espontaneamente consciente, como recordações e memórias, e a não consciente, raramente consciente, porque existem forças que a impossibilitam e atrapalham. Como diferenciar os dois tipos de mente, não consciente? pode ser assim; “Pré-consciente” ou inconsciente como descritivo, e “Inconsciente” ou inconsciente no sentido dinâmico.
Quais às razões que Freud apresentou para a existência da mente inconsciente?
1 - Fenômenos da hipnose, mostram que podemos saber de algo sem saber que o sabemos, que toleramos desejar alguma coisa, sem conhecer a verdadeira razão desse(s) desejo(s);
2 - A referência a uma motivação inconsciente, permite compreender os atos falhos que incorremos, porque são contrários à intenção de quem os empreende, com suas inerentes confusões verbais, algo que seguimos diariamente, sem a participação da nossa percepção;
3 - O mundo simbólico dos mitos, romances, paixões, em particular dos sonhos; sendo eles, a verdadeira intenção e caminho para a vida, que povoam o Inconsciente de cada um de nós. Os sonhos, só podem ser compreendidos com base num significado profundo, não consciente, distinto do significado explícito e superficial que geralmente queremos atribuir a eles;
4 - Experiências e motivações que determinam o nosso comportamento, assim como a saúde física, podem coexistir na mente, sem o efeito da repressão tomar ciência deles; assim, os efeitos da terapia Psicanalítica, neste campo, só pode ser compreendida com base na teoria da repressão, da descarga pulsional, como força emocional inconsciente.
A mente não é translúcida para si mesma, já para a filosofia, a ''Razão” era uma das peculiaridades e traços característicos do ser humano. Muito popular na frase; “Penso, logo existo”, de René Descartes, seria, logo essa, uma expressão de afirmação filosófica neste sentido. Em contraste a essa perspectiva, a Psicanálise dá muito mais importância às dimensões não racionais da psique, como afetos, instintos, emoções, desejos, sensações ligadas ao corpo, com suas devidas defesas do inconsciente, que acredita ser possível ignorar tais causas verdadeiras do nosso comportamento. Da ótica tradicional superada, parecia impossível ter um desejo sem ter consciência dele, odiar e detestar alguém que acreditamos amar por exemplo. A Psicanálise se situa opostamente a este tipo de sombra do pensamento linear arcaico, sendo perfeitamente possível e aceitável tais dualidades na contemporaneidade. Psicanalistas, acreditamos e comprovamos isso na clínica, sabemos, que dentro de cada indivíduo, há elementos opostos, confrontantes, conflitantes. Podemos sim, amar e odiar a mesma pessoa, desejar e não querer o mesmo, conhecer, e não saber sobre alguma coisa. Em contraste com a concepção tradicional da psique, que declara a perfeita identidade do sujeito consigo mesmo, que nas versões metafísicas culminará na ideia de alma. Freud, parece compreender a subjetividade em termos de identidades difusas do ser, sempre prolixas e redundantes. Tais componentes constituintes da vida inconsciente, lutam entre si, uma guerra constante para dominar nossa vida psíquica, se intercalando com elos, alianças e ligações, nunca se integrando completamente, o que promoverá e dará origem a uma unidade no sentido transcendente. Precisamente, com base nestas teses altamente aceitas, que a Psicologia moderna evolui gradualmente na hesitação, cada vez mais questionada, sobre noções intransigentes e rígidas, que eram tradicionalmente aceitas, como a responsabilidade moral, independência, autonomia e liberdade.
Vou citar algumas definições em frases de Freud: O que é o inconsciente?
“É o círculo maior, que inclui em si o círculo menor do consciente; toda a consciência tem o seu passo preliminar no inconsciente, enquanto o inconsciente, pode parar com este passo adiante, e ainda reclamar todo o seu valor como uma atividade psíquica”.
“O inconsciente de um ser humano pode reagir ao inconsciente de outro, sem passar pelo consciente”.
“A interpretação dos sonhos, é o caminho real para o conhecimento das atividades inconscientes da mente”.
Características do inconsciente;
1 - Permite a coexistência de ideias contraditórias lado a lado, entre si.
2 - O seu conteúdo não tem grau de certezas, da forma como ideias conscientes são elaboradas.
3 - As ideias inconscientes, não estão dispostas em nenhuma ordem, cronografia ou ''timing''.
No inconsciente, uma ideia pode absorver a energia de várias outras através de um processo chamado de condensação, ou pode transferir a sua energia para uma ideia associada através de deslocamentos. Freud chamou a estes mecanismos de condensação e deslocamento, sendo processos primários, que contrastavam com os recursos secundários do pensamento consciente. Estas demandas capitais, permitem que os impulsos dos nossos desejos inconscientes sejam deturpados, procurando e encontrando saídas que não possuem qualquer ligação aparente com ideias reprimidas.
Diferença entre inconsciente, subconsciente e consciente. Para compreender como funciona o nosso inconsciente, é vital conhecer as funções das outras duas partes da nossa mente.
O Subconsciente
Quando nos referimos ao subconsciente, estamos falando da nossa mente situada entre o consciente e o inconsciente. Ou seja, é uma informação gravada e salva no inconsciente, mas, à qual podemos aceder através de esforços psíquicos. Controlamos a entrada desta informação, mas quando não a utilizamos, permanecerá armazenada. Encontramos também dados que foram mecanizados. Por exemplo; o movimento para nadar, dirigir um automóvel, como segurar um objeto, etc. Esta memória automática, não necessita aceder a ditas informações para acontecer, porque os utilizamos corriqueiramente.
Inconsciente
O inconsciente, é constituído por dados que não se conhecem, nunca se encontraram conscientemente. O nosso consciente psíquico tem capacidade de armazenar 5.000 impulsos neurais num curto espaço de tempo, enquanto todos os outros, passam para o inconsciente, sem que nos apercebamos disso. Além de estes dados, o inconsciente tem uma natureza afetiva e emocional. No seu contexto, encontramos traumas, crenças, hábitos crônicos, com seus aspectos sombrios de si, traduzidos como atos que foram reprimidos intencionalmente.
Consciente
A consciência é o seu significado, e tudo o que experimentamos aqui e agora. Embora acreditemos que esta informação atualizada venha do consciente on-line, na realidade nossa consciência é composta 95% de memórias, tanto do inconsciente, quanto do subconsciente. Aprendemos no passado, mas utilizamos no presente, aqui, o cérebro nos joga uma armadilha ilusória. O inconsciente, é capaz de nos obrigar a agir ou de nos ver operando ações que não reconhecemos como autenticamente nossas. Desta forma, a parte inconsciente pode determinar como visualizamos a vida, mundo, ambiente, por essa razão, é essencial tratar dos problemas psicológicos, aqueles que possam derivar dos traumas ou experiências negativas. A compreensão do inconsciente, sempre foi um desafio na Psicanálise. Todos os autores, grandes Psicanalistas, contribuíram para esta questão com as suas teorias e pensamentos. Destarte, incriveis e acertadas, pertencem a diferentes escolas psicanalíticas, das quais não participo. Neste momento, não posso deixar de dar um grande destaque, para aquele que, na concepção mais generalizada dá o verdadeiro lugar ao inconsciente.
O conceito de inconsciente a partir de Lacan.
O inconsciente não é definido como o oposto da consciência, desse modo, tal definição não nos diz nada. Se seguirmos Freud, o inconsciente é o que dizemos, o que é dito, nossas narrativas. Como nos transmite Lacan, as leis da sua composição coincidem com a formação e constituição. do discurso. "O inconsciente é o discurso do Outro", fala Lacan. Somos, como temos sido falados, de acordo é inclusive com as palavras que não são ditas. Neste arranjo, estamos imersos, submersos e inscritos nessa circunstância. Para apresentar o inconsciente, Lacan usa uma fórmula, para a comunidade psicanalítica, a grande sacada, aquilo que complementa e estrutura de tudo o que Freud como percursor notou. Vou dar um destaque, porquê nesta frase está o discernimento maior...
"O INCONSCIENTE É ESTRUTURADO COMO UMA LINGUAGEM". Lacan. (sacou?).
Desta forma, ele dá todo o crédito e valor à descoberta freudiana. O sujeito, quando nasce, recebe suas ferramentas na forma linguística. No seminário "Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise" Lacan diz; "A natureza fornece significantes e os designa pelo seu nome, estes, organizam às relações humanas de uma forma inaugural, dão suas bases e estruturas destas conexões que as modelam". Portanto, antes de qualquer formação do sujeito, algo importante vai contar como essencial nessa constituição. Podemos afirmar, que a compreensão do inconsciente, do seu desdobramento, é o lugar onde mora a base primordial do estudo Psicanalítico. Este, é o principal tema da nossa profissão, um convite ao estudo, uma paixão imparável. Investigar, porque somos utopicamente; ''SERES'' (como unidade). Mais ao mesmo tempo somos divididos? Sim, não somos "INDIVÍDUOS", porque há essa interpretação no sentido de não sermos mestres absolutos das nossas vontades, conforme Freud diz; “Não somos senhores em nosso próprio lar” (agora, acredito faça mais sentido a frase do cabeçalho).
Lacan argumenta, que o sujeito do inconsciente está localizado no plano do sujeito da enunciação, para além do que ele diz. No cruzamento entre enunciação e anunciação, caímos no lugar de outra cena, de onde se é proferido o dizer. O objetivo do nosso trabalho como analistas, é fazer emergir o que não se diz, no que se diz, aquela palavra, a história, subjetividade, imaginário, fantasia, em que o sujeito do inconsciente se desarma, para fazer emergir o seu sujeito.
Como o Psicanalista acessa o inconsciente?
A associação livre é nossa tecnica, uma forma de aceder o inconsciente de modo mais amplo. Neste ponto, cabe ao Psicanalista fazer associações para interpretar o dizer do paciente.
Um poema para terminar;
E sendo assim, trago o poeta Ferreira Gullar e sua poesia, para fazer um fechamento do aprendido neste artigo.
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte e ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
O poema mostra o conflito humano entre “uma parte” e “outra parte” apresenta uma questão a ser respondida, diante da possibilidade de se “traduzir uma parte na outra”.
Até a próxima, por Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130
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