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O Ciúme.

Atualizado: 22 de set. de 2024



“Nos ciúmes existe mais amor-próprio do que o verdadeiro amor”. La Rochefoucauld.

Por Dan Mena.

Quando falamos em ciúmes, sabemos pela prática que existe nesse lugar mais amor-próprio do que um autêntico amor. Despreza-se um homem, com ciúmes da mulher, porque isso certifica de que ele não a ama como deve ser, e que formou uma opinião negativa ou má de si próprio, ou dela. Refletindo sobre o assunto; vejo como é singular. Sabem às mulheres que os ciumentos são sempre os primeiros a perdoar. Essa suposta dedicação do outro a pessoa amada, sua atenção ou afeto entregues, podem facilmente se transformar num sentimento aflitivo e angustiante ao que lhe damos o nome de ciúmes ou zelo. Sempre acompanhados de vários sentimentos, como a tristeza, abandono e dúvidas sobre a fidelidade do outro, o amor ferido, a incerteza, o ódio alimentado contra a pessoa que nos tira o que consideramos nosso, inclusive, vamos incluir o desejo de vingança. Assim, o ciúme nunca vem só, se move como uma gangorra, indo de um limiar a outro, por vezes, escapando do seu papel central para tomar o espaço dele próprio. Arregimenta portanto uma combinação de poderosas emoções, como os de desamparo, tristeza, angustia, ansiedade, dúvidas e desconfiança, impulsionando a relação para a paranoia das emoções, que nestes casos, se tornam vigorosas, potentes é mais prevalentes que o próprio ciúme em si. Ciúmes, é basicamente o medo que sentimos por não conseguir controlar algo ou alguém do qual acreditamos ser possuidores e donos. Muito interessante o tema, quem já não experimentou? Vamos ao artigo, boa leitura.


É começamos falando daquilo que nos compõe; os seres humanos ao contrário dos animais, nascemos indefesos. Precisamos dos cuidados de outro humano, mãe, pai, cuidador ou substituto(a), para podermos sobreviver a esse desamparo inicial. Esta função é quase sempre encarnada pela nossa mãe. Não podemos aceder a nada sozinhos, se tivermos fome, temos de gritar, se doer a barriga, precisamos chorar para alguém interpretar o que pedimos. Desta forma, para a criança, a mãe é a coisa mais importante, a ela atribuímos total omnipotência é poder; ela é tudo o que precisamos para viver, e sobreviver em muitos casos, também, somos a coisa mais importante que ela têm. Chamamos a este momento da célula narcisista, onde criança e mãe, estão ligadas(os) de tal forma que formam uma unidade fechada, uma cápsula, onde fora dela nada mais existe. Esta unidade perfeita, (irrepetível), não pode durar para sempre, num certo momento, a mãe tem de procurar outro lugar, para o pai, para o trabalho, amigos, relações ou para o interesse dela própria. Agora, quando a mãe pode olhar para outro lado, a criança sente que ela quer outra coisa para além dela, é subentende que ele, já não a(o) completa. Desta forma, o(a) infante(a) começa a olhar para o que a mãe deseja, assim, às portas do mundo se abrem, falta algo, o que dá origem a uma busca incansável, perpétua e impossível. Quando este desvio do olhar materno ocorre, a criança descobre o desejo, pela via de um pressuposto sentimento de exclusão. Antes dos ciúmes surgirem por este evento natural, criança e mãe eram o mesmo; ''O UNO'', onde não havia mais nada. É aqui, neste ponto da separação, que detectamos o ciúme como o primeiro sentimento social, eis, então, o surgimento da perversa incompletude que nos habita por toda a vida. Quanto ao homem, podemos acrescentar, ''A síndrome de Otelo'', predominantemente masculina, que segundo Ghedin, acontece por razões sociais psicológicas e culturais. No homem, “o apego simbólico à figura da mãe” atuaria inconscientemente, gerando sentimentos ambíguos de amor e ódio com relação a outras mulheres, incluindo a ideia persistente de poder e dominação dos homens sobre elas.


Seguindo um passo a frente, gostaria de citar Descartes em sua frase completa, que admiro demais! Ele coloca uma questão cuja relevância ética é hoje reavivada: Será a paixão do ciúme uma flama honesta e útil ou um testemunho da falta de amor e desprezo de si próprio?. O filósofo alerta para os problemas envolvidos, ao considerar o parceiro como o seu próprio bem:


“Desprezamos o homem, com ciúmes do seu par, ao ser um testemunho de que ele/a não a ama de uma forma boa e que tem uma péssima opinião de si/a ou dela/e. Digo que ele ou ela, não a/o se amam bem, porque, se houvesse um verdadeiro amor, não existiria inclinação para desconfiar. Mas não é propriamente ela/e que ama, mas apenas o bem que se imagina, que consiste em ser o único a possuí-la/o, em ser o seu único dono/a. Ele/a não teriam medo de perder esse bem valioso, se não se considerassem indignos de o ter ou ao seu par ser infiel''.


Uma visão religiosa.


Paulo, em sua primeira epístola aos coríntios; (1 Coríntios 13:4), fala que “o amor não arde em ciúmes”. O termo grego ''zeloo'' (ciúmes) é utilizado nesta passagem bíblica que encampa o conceito de “ser zeloso, cuidadoso” tanto para o bem quanto para o mal. No sentido positivo, podemos fazer leitura como sendo um “cuidado zeloso” que busca o amparo, o bem, proteger, resguardar e oferecer uma plena integridade e felicidade ao outro. Também, Deus fala do zelo, ciumes e cuidado por nós, dizendo: “Não terás outros deuses diante de Mim… Porque Eu sou Deus zeloso” (Êxodo 20:3, 5). Deus, rejeita a adoração e o serviço de um coração dividido, ainda, Jesus acrescenta: “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mateus 6:24). O que poderia ser entendido como; “quem ama, cuida de um!”


(Me detenho aqui, para chamar a atenção de nossos irmãos cristãos, parcialmente corretos quanto a interpretação da frase acima. A bíblia, condena expressamente a fabricação de ídolos. Ídolo é um falso deus, algo ou alguém que é colocado ou se coloca no lugar do verdadeiro Deus, esse, que verdadeiramente amamos. Qualquer coisa pode se tornar um ídolo, principalmente nestes tempos, o dinheiro, um pop-star, hedonismo ou a busca incessante e inescrupulosa da prosperidade. Isto, sim, é contrariar as ordens de Deus. Imagens para nós católicos, são apenas representações artísticas, com objetivo único de embelezar nossas tradições e igrejas. Destarte, nos fazem lembrar de pessoas, (humanos ou anjos), que pelas suas obras, foram exemplos de seres virtuosos. O ato de se ajoelhar diante das imagens não significa adoração, e sim homenagem, nenhum católico acredita que ditas elevadas representações tenham algum poder sobrenatural, senão a da interceder poderosamente com Deus. Sendo assim, as imagens sagradas não podem ser consideradas do próprio Deus, muito menos mágicas. Podemos, porém, venerar sim quem representam, aprender com elas o seu significado maior, pois os objetos sagrados são separados, ditos, (consagrados), para representar o Mistério de Cristo e nossa Igreja.)


Adiante, Freud, trata do assunto em “Mecanismos neuróticos no ciúme, paranoia e homossexualidade”, também encontra o ciúme entre os estados afetivos normais, mas também afirma que, sempre que parece faltar o caráter e comportamento de um indivíduo, justifica-se concluir que este/a foi fortemente reprimido/a, e que por isso desempenha um papel importante na vida emocional inconsciente. Ele diz: “É uma experiência diária que a fidelidade, especialmente a exigida no casamento, só pode ser mantida através da luta contra as tentações permanentes”. Quem nega tais tentações dentro de si próprio, sente uma investida tão forte que está se inclinado a recorrer a um “mecanismo inconsciente” para encontrar alívio. Ele(a) procura a absolvição parcial da sua consciência moral, projetando os seus próprios impulsos de infidelidade sobre a outra parte, a quem deve honradez, honestidade, integridade e probidade. Obviamente, seria um aspecto válido tais predicados existirem dentro desse contexto, quando vivem e coexistem de fato nessa forma mais tradicionalista da relação, o que visto por outros ângulos mais contemporâneos de afinidades afetivas deve passar por outras leituras. O ciúme é um sentimento humano normal e pré-existente na nossa natureza, mas, em certas circunstâncias pode tornar-se muito patológico e levar à interpretação de qualquer coisa como deslealdade e perfídia, geralmente completamente infundado. Na realidade não tem nada a ver com a situação real, mas com problemas mais profundos que precisam ser ponderados. O que geralmente acontece, é que a pessoa investe toda sua energia em observar a outra, abandonando uma parte importante da sua vida, enquanto o parceiro se sente esmagado por dita situação, ameaçado/a na sua liberdade de ir e vir. Esta parte muito negativa da relação, produz precisamente o oposto do que se pretendia pelo ciumento, ou seja, provoca um distanciamento necessário do outro para restabelecer a sua liberdade.


De acordo com ele, existem três tipos de ciúmes:


O ciúme NORMAL; é onde o amante perdeu ou sente que pode perder o objeto de amor e a figura do rival aparece. Neste ciúme, as repreensões são comuns por não saber manter o objeto agora perdido, no autor, repreensões são normalmente deslocadas sobre o rival sob a forma de inveja, censura, sentimentos de vingança, entre outros.


O ciúme PROJETADO; tem a ver com um desejo inconsciente e reprimido de ser infiel, onde o sujeito idealiza o seu próprio desejo de infidelidade sobre a outra pessoa. Uma vez que o indivíduo não pode tolerar seu próprio desejo inconsciente, o tenciona e volta para a outra, atribuindo-lhe esse querer. O problema não é que a pessoa deseje, senão que não tolere sua própria vontade, e exatamente por esse motivo que ele ocorre. Assim, quando a pessoa suporta e aceita suas excitações e tentações esta inquietude pode desaparecer.


O ILUSÓRIO; é relacionado com tendências reprimidas de infidelidade, no entanto, segundo Freud, estes são de natureza homossexual. Que poderiam ser resumidos na fórmula: “Eu não o/a amo, é ela/e que o/a ama”. Geralmente ligado à paranoia, a característica essencial deste ciúme, é a certeza de que existe uma traição, quando a realidade pode ser bem diferente ao pensamento.


Ainda podemos citar um quarto elemento, O INDUTIVO; em Otelo: O ciúme do ''Mouro de Veneza'', que mostra como este sentimento desencadeia suas inferências e as atitudes do personagem Otelo, do filme adaptado da obra de William Shakespeare. Uma das mais comoventes tragédias shakespearianas, por tratar de temas universais, como ciúme, traição, amor, inveja e racismo, ela pode ser ponto de partida para diversas reflexões e interpretações, principalmente para o ciúme indutivo. Recomendo.


“Os costumes sociais acertaram sabiamente as contas com este estado universal das coisas, permitindo algum jogo de ''flirt” da mulher casada e à obediência do marido, na esperança de purgar, e assim neutralizar a inegável inclinação para a infidelidade. A convenção estipula que as duas partes não devem culpar-se reciprocamente por estes passos na direção da infidelidade e, na maior parte das vezes, consegue que o apetite ardente pelo objeto do outro seja satisfeito, por um recuo na fidelidade, no seu próprio objeto. Mas a pessoa ciumenta não quer admitir essa tolerância convencional''. (Freud, 1988).


O que a psicologia diz ao respeito?


O ciúme surge como um alerta psíquico, quando consideramos e julgamos que algo não está indo bem ou como gostaríamos. Pode ser um problema real ou imaginário. Como parte natural do nosso instinto, desejamos eliminar toda e qualquer ameaça de vulnerabilidade, insegurança, desamparo ou desigualdade. É um sentimento que nos divide interior e intimamente, que nos lança para um conflito de fragmentações emocionais. Se por um lado, expressamos ciúmes, por outro desejamos mais atenção, ao mesmo tempo, nos culpamos por essa sensação pois sabemos que o ciúme tem um poder altamente nocivo para as relações afetivas.


Como podemos controlar os ciúmes e evitar que nos dominem?


Talvez a linha mais importante a seguir seria que o diálogo fosse predominante na relação do casal, para compreender o lugar, sentimento e causa dos ciúmes, assim, encontrar uma solução nos limites aceitáveis do outro, visto que a falta de confiança e de acordos saudáveis não podem sustentar a mesma.


Colocar em prática estes 5 passos pode ajudar;


RECONHECER; e o primeiro ponto capaz de tratar o problema.

COMPREENDER; refletir sobre suas próprias inseguranças.

VERBALIZAR; falar sobre o problema, seja com um especialista, com o seu parceiro ou com alguém de confiança.

AUTOPERCEPÇÃO; não deixar de fazer o que gostamos.

REALISMO; realinhar os pensamentos distorcidos, encontrar uma explicação racional para o embaraço.


Ao trabalhar com os pacientes nesta aflição, é essencial diferenciar a inveja de outras manifestações. Podemos reconhecê-los imediatamente, quando se manifestam abertamente, mas o ciúme, tende frequentemente a usar todo tipo de máscaras e disfarces, e pode mesmo desaparecer de cena, quer sendo reprimido ou negado. Tal comportamento vai desde o considerado normal, até ao ilusório e fantasioso, de grande capacidade destrutiva. Por esta razão, na sua análise é muito importante considerar os planos da realidade e imaginação criativa de cada indivíduo. Se a queixa corresponde ao verídico e comprovado ou ocupa um lugar de capricho, delírio e inventividade da pessoa; bem como suas dimensões conscientes e inconscientes da premissa invocada quanto ao outro. Esta última, contém a maior riqueza explicativa, é um ponto de interesse excepcional para a clínica psicanalítica, onde os seus significados (significantes); (o significante se mantém como condição de uma operação que se constitui em uma cadeia e é nessa cadeia que ele se faz presente a partir de uma ausência. A cadeia dos significantes torna a condição do significante possível e é nela que ele subsiste (Lacan, 1966), ou (Em Saussure, qualquer significante remete a um significado; por sua vez, em Lacan um significante não significa nada, ele apenas produz significação quando articulado com outros. Por fim, o conceito lacaniano de significante também permite ser distinguido do conceito freudiano de representação, por isso a importância de entender o termo neste aspecto citado. Portanto, essa interpretação da significação, sentido, conceito, noção, conteúdo e explicação devem ser desvendados, precisamente na área ideal para o desenvolvimento do nosso trabalho: a transferência e contra-transferência, que atravessam a relação entre paciente e cliente.


As relações humanas, podem ser uma fonte de satisfação, prazer e crescimento, ou se transformarem num ato de desequilíbrio emocional. Desde muito jovens, precisamos manter laços importantes nas nossas vidas, a ameaça de perdê-los pode nos enfraquecer, nos deixar vulneráveis e fragmentados emocionalmente. Não deixe o ciúme arruinar sua vida, amadureça, trabalhe melhor com seus afetos. Aqui, gostaria de citar o psicólogo Albert Ellis, que nos brinda com uma frase magistral;


“O ciúme, é o dragão que mata o amor, fingindo querer mantê-lo vivo”.


Por fim, um trecho do pensamento de Modesto López em (2012).


Para que todos saibam a quem você pertence...


Com sangue das minhas veias marcarei sua testa...


Para que eles/as te respeitem mesmo com o olhar...


E saiba que você é minha propriedade privada...


Que ninguém se atreva a te olhar com saudades...


E que todos te mantenham a uma respeitável distância...


Pois a minha pobre alma está contorcida de ciúmes...


E não quero que ninguém respire do teu fôlego...


Porque sendo eu, teu dono/a, nada mais me interessa.


Dan Mena, até breve. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130

 
 
 

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