Dupla Personalidade ou Bipolar?
- Dan Mena Psicanálise
- 23 de mar. de 2023
- 8 min de leitura
Atualizado: 22 de set. de 2024
Vivemos no mundo do irreal, onde tudo o que vemos é somente uma sombra imperfeita de uma realidade mais perfeita. Platão. Então eu me pergunto? Existe a realidade? Quem poderia então impugnar a dupla personalidade ou a bipolaridade do ser.

Um pouco de cada.
Embora a desordem bipolar e a dupla personalidade apresentem sintomas semelhantes, tais como: mudanças de humor extremas, e possam muitas vezes ser confundidas, são dois tipos completamente diferentes de diagnósticos. A identificação de qualquer uma delas é muito difícil, e requer um extenso questionamento, conhecimento do histórico do paciente, escuta e coleta de vasta informação sobre seus antecedentes clínicos e sintomas, para chegar a uma conclusão adequada e assertiva. Muitos destes acometidos, diagnosticados como bipolares, são inicialmente mal encaminhados clinicamente, por consequência, permanecem nesta falha diagnóstica por muito tempo. Frequentemente identificados com depressão e usando antidepressivos prescritos, que podem ser perigosos, uma vez que induzem a hipomania, (um tipo de transtorno bem mais leve que a mania, com sintomas relacionados à energia em excesso, impaciência, agitação e impulsividade), que podem desencadear um ciclo entre a mania e a depressão cíclica. Pessoas que sofrem de transtorno de personalidade, têm sérias dificuldades em regular suas emoções, o que frequentemente leva a mudanças de humor, impulsividade e relações pessoais instáveis. Apresentam frequentemente uma baixa autoestima, que se manifesta em tendências suicidas e de autoflagelação. Tendem a ter medo do abandono por parte dos pares, família ou amigos, manifestam comportamentos impulsivos, compras excessivas, direção imprudente, uso de álcool e drogas, e frequentes estados de humor intensos, como raiva e irritabilidade, que podem se prolongar durante dias ou semanas.
Por sua vez, a desordem bipolar partilha muitos destes sintomas, tais como comportamento imprudente, mudanças de humor e impulsividade. No entanto, o principal determinante da sua identificação envolve altos e baixos comportamentais. A primeira, na forma de euforia, circundada por sentimentos de entusiasmo, grande positivismo, energia altamente elevada e expressões de grandiosidade. Estes episódios de mania, são seguidos de depressão profunda, cansaço e fadiga, incapacidade de concentração e baixa produtividade. Este distúrbio psicológico, gira frequentemente em fases alternadas de depressão e manias. Tal estado afetivo, que oscila de uma depressão exacerbada, para uma sensação de extremo bem-estar, pode ser acompanhado de um balanço intermediário de equilíbrio. Sem existirem fatores externos, que justifiquem tais mudanças ambivalentes, ambos, se estabelecem nessa patologia, como processos psíquicos internos muito labirínticos e herméticos.
Entre os principais fatores de diferenciação que podemos assinalar na desordem bipolar, onde a personalidade limítrofe apresenta sintomas da desordem, é que figuram de forma consistente e permanente, enquanto pessoas com bipolaridade, parecem criar espaços intercalados das suas oscilações de humor. Às relações pessoais, também podem ajudar a esclarecer tais diferenças. Todos os sintomas da desordem de personalidade se apresentam conectadas com às relações interpessoais. Para ser claro, geralmente desencadeadas por conflitos nas relações afetivas, enquanto os sintomas da desordem bipolar, aparecem sem razões fundamentadas, onde a única explicação possível, de bastante consenso, é que aconteceram no indivíduo mudanças endógenas na atividade cerebral e na sua neuroquímica.
Ser bipolar sob o olhar psicanalítico.
Do ponto de vista clínico da psicanálise, ser bipolar é uma posição psíquica, ou seja, um lugar da linguagem que pode ser alterada. Nesta base, o atingido pela bipolaridade não é um indivíduo perturbado, nada é ou está quebrado no seu aparelho psíquico. Essa perturbação, reflete uma alternância de estados de humor extremos, uma fase de humor depressivo ou melancólico, transladado para uma de mania, ou alegria excessiva. Na fase depressiva ou melancólica, o paciente perde todo o interesse no mundo real, desde que não esteja relacionado com algo que sente ter perdido, por exemplo: o fim de um relacionamento, o luto, etc. Seu estado pode ser profundamente doloroso e apático, seguido de insônia ou sono excessivo. Também, entram em cena, repreensões, culpas, fantasias de auto-humilhação. Eles entendem não merecer estima e afeto de outros, quando, em simultâneo, se irritam com extrema facilidade. Na sua fase mais severa, afunilam para um estado melancólico perigoso, que pode se aprofundar para o suicídio, por isso, sua severidade é importância de ser tratado. Na fase maníaca, experimentam uma certa libertação de si, se sentindo dispensados de uma condenação que nunca aconteceu. Sua atividade super-enérgica, o(a) leva a empreender projetos, iniciar atividades muito desafiadoras, quase com a certeza de alcançar objetivos mal estruturados, visto que se percebe grandioso(a), intocável e invulnerável. Dominado(a) por um falso sentimento de satisfação, sente-se livre de inibições, timidez, vergonha e bloqueios sociais, como sendo tutelado(a) e protegido(a) de qualquer reprovação ou insucesso. Essa armadilha psíquica, típica desta fase, coloca o indivíduo numa trilha de insegurança e risco. Dessa forma, ciclos de mania e depressão se revezam oscilando.
Podemos ouvir certos diagnósticos diferentes como desordem maníaco-depressiva ou psicose maníaco-depressiva, porque existe um componente de foraclusão: (a foraclusão é uma hipótese criada por Lacan para explicar a ausência do significante Nome-do-Pai, (O nome-do-pai não indica apenas a morte da coisa, mas indica a morte de toda significação perdida em nome de uma morte anterior. Nesse sentido, a finalidade da teoria nome-do-pai é mostrar a relação da função do ponto de conforto, e o lugar do Outro, é pensar como o sujeito pode articular essas duas funções), na cadeia significante, e no lugar do Outro. Essa hipótese, que estaria na base da estrutura psicótica, indica seu mecanismo de defesa), do nome do pai, como na psicose, é uma identificação narcisista, que leva na depressão a introjetar o objeto amado, ao ponto de se identificar com ele e castigá-lo até à morte (''castigar-se até à morte''), e na mania, o desarranjo dos limites do Ego e do Superego. Tal desordem, só pode ser detectada em lugares inconscientes da personalidade. Nosso aparelho psíquico é intricado, profundo e melindroso, constituído por diferentes e irregulares processos, inconscientes, pré-conscientes e conscientes, ainda, munido das pertinácias e contumácias do Ego e Superego, que mantêm relações sistêmicas interconectadas. Cabe ressaltar, que uma pessoa saudável, ou uma acometida por alguma doença psíquica, possuem o mesmo aparelho psicológico, é que a diferença entre saúde e doença, não é uma desigualdade, mais sim um fator que deve ser avaliado, não pela qualidade, mas sim na sua quantidade. Visto isso, pela posição mental da desordem bipolar, no estágio depressivo, o Ego identifica-se com o objeto perdido, e o Superego o censura, o esculhamba e o corrige, sente-se o Ego então ter sido desamparado, enquanto o seu narcisismo o leva a aperceber-se angustiado e abandonado. Na fase de mania, o Ego é liberto da sua tutela e de dita condenação do Superego. Esse trânsito de potências e forças de mediação entre eles, é alternada, periódica, onde nesse zigue-zague de posições encontramos o retorno intermitente de ambas manifestações. (complicadinho né?).
Dupla Personalidade sob o olhar psicanalítico.
Embora seu nome seja ''transtorno dissociativo de identidade'', é popularmente conhecido como o transtorno de dupla personalidade. Anteriormente, décadas atrás, chamado de transtorno de personalidade múltipla, é um tipo de desarranjo dissociativo, onde encontramos dois estados da personalidade: ''alter egos'' ou ''estados do eu'', eles rotacionam entre si, (assim a dupla). Entre seus sintomas, podemos encontrar: a incapacidade de lembrar de eventos, apagões de memória, episódios traumáticos, situações de alto estresse, todos os quais, não seriam esquecidos ou perdidos normalmente pela psique. Geralmente, surge tanto em homens, quanto em mulheres, suas causas, tem origem em traumas aflitivos, angustiantes e tirânicos da infância. Seus impactos, podem porvir de situações como a omissão afetiva, abuso sexual, importunação sensual, negligência e desamparo, entre outros fatores. A consequência e implicação dos traumas suportados pela criança, resultaram no desenvolvimento de uma adaptação da (o) mesma(o) ao ambiente, no intuito de se proteger, tal comportamento floresce sob a formação de uma segunda atuação, moldada para lidar com os eventos traumáticos acima anotados. Assim, podemos compreender que o aspecto dissociativo desse indivíduo, na (infância), funciona, hoje, (na maturidade), como um artifício de reencontro primitivo às resoluções necessárias da vida, que ativa um mecanismo gatilho de sobrevivência, proteção e salvaguarda, em detrimento dos episódios traumáticos infantis sofridos, certamente, angustiantes e penosos aos que fora submetido(a). Não encontrando senão o acometido, outro ponto de fuga pela sua experiência, tenta se desassociar dos traumas preexistentes primevos, utilizando esse subterfúgio da ''Dupla Personalidade'', que o remete ao lugar seguro que desenvolveu. O transtorno dissociativo de identidade tem uma forma de possessão e não possessão, são eles;
a) Na forma de possessão: às identidades geralmente se manifestam como se fossem um agente externo, normalmente um ser, espírito sobrenatural, personagem, super-herói, por vezes outra pessoa imaginária, que em determinado momento assume hipoteticamente o controle dela(e), fazendo com que aja de uma maneira muito diferente da usual. Essa dualidade de identidades, são muito claras e facilmente identificáveis. Estados de possessão, são parte normal da prática espiritual, religiosa ou cultural, como encontradas nas de matriz africana, destarte, não são classificadas como transtornos dissociativos de identidade. O modelo reconhecido na posição psíquica da possessão, que ocorre no transtorno dissociativo de identidade, diverge da cultural ou religiosa, no sentido que a ocupação de um lugar mental ou físico pela ''identidade alternativa'' no indivíduo, é indesejada por ele(a), ocorrendo de forma involuntária, provocando desconforto, tensão e amargura.
b) No formato de não possessão: não são tão claras e constatáveis. O afetado pode sentir uma modificação súbita da forma como vê o ''self'', (o self na psicanálise, é descrito como a instância psíquica fundamental, que contém os elementos que compõem a personalidade, mas não engloba o núcleo da existência genuína do indivíduo. Assim, o protagonista da existência é o “ser interior”, e o ''self'', atua como coadjuvante principal na formação da personalidade). O sentimento que um individuo percebe e experimenta neste caso, seria descrito como sendo um observador de sua própria fala, atos, ações e afetos, olhados em si próprio, em vez de ser uma transmissão ou agente para o outro. Os sintomas mais comuns apresentados pelos pacientes estão associados à memória, habituam ter amnésia dissociativa, lacunas de memoração de eventos, sejam familiares, amorosos e pessoais do seu passado, lapsos de interrupção de memória confiável recente, das quais tem cortes e fragmentações das evidências das suas ações, mas não lembram, ou então recordam parcialmente.
Uma terceira forma de identificação passa, por exemplo, em ouvir vozes, esquizofrenia, delírios visuais, experiências fantasiosas ligadas a percepções gustativas, táteis e olfativas. Quem sofre de “transtorno dissociativo de identidade” é transportado imaginariamente a sintomas com associações simbólicas de um segundo co-protagonista, tipo, “alguém existe em mim”, coexiste uma identidade alternativa a mim mesmo. Ela(e) se expressa psiquicamente no indivíduo, ativando gatilhos emocionais e funções, supostamente vividas por ele(a). Exemplo: encontros de terceiro grau, chorar, etc., que no seu corpo se manifestam, acometido(a) pelo ente fictício. De acordo com pesquisas, é pela própria atuação clinica, podemos observar nestes casos, sintomas como a ansiedade, angústia, depressão, comportamento suicida, disfunção sexual, uso de drogas, abuso na ingestão de bebidas alcoólicas, automutilação, crises não epilépticas, entre outras possibilidades.
O ser humano necessita se acautelar dos seus pensamentos, principalmente daquilo que projetamos, seja fragmentado, separado ou deslocado de nossa representação do self como uma representação de objeto. É próprio da nossa natureza para sentir com alívio e prazer o que temos desfeito de uma parte não desejada de sim, ou quem sabe, muito querida. Esse processo, nos permite sentir, que o que lançamos e projetamos, seja por um instante tranquilizador da nossa alma, porque não é próprio, senão de outro.
Logo, eu penso… porque não poderia existir em nós, toda a surrealidade possível de nos imaginarmos coabitados?
Por Dan Mena.
Ao poema de Fernando Pessoa;
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que eu sou e vejo.
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu"?
Deus sabe, porque o escreveu.
Minha interpretação: Esses versos incríveis, são um desfecho lógico para o poema como ele sendo alheio à forma como a sua vida se desdobra. Nesta leitura, Fernando Pessoa, se considera um mero espectador da sua vida, a qual assiste como (co-protagonista), entendendo-a como uma passagem, ''Assisto à minha passagem'', no sentido de sujeito poético. O último verso, encerra a resposta à interrogação retórica do verso anterior: alguém superior ao próprio sujeito, ele mesmo, como o segundo que comanda a sua vida.
Por Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130
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