Amor e Obsessão.
- Dan Mena Psicanálise
- 6 de mai. de 2023
- 10 min de leitura
Atualizado: 22 de set. de 2024
Amor y Obsessão.
“Se amamos, sofremos. Senão amamos, adoecemos” Freud.
Por Dan Mena.

Quando me aprofundo no tema do artigo de hoje, minha admiração e paixão pelo trabalho do nosso querido mestre se expande. Como dito em outras oportunidades, o ponto de partida da psicanálise são os processos psíquicos inconscientes, cujas peculiaridades são evidenciadas através da análise. Assim, tais sistemas psíquicos primários, são regidos pelo princípio do prazer e do desprazer. Aqui, Freud, estabelece que estes processos originais visam a obtenção de satisfação, e que dos atos que podem suscitar desprazer, a atividade psíquica é retirada como repressão. É claro, que não devemos ser regidos absolutamente pelo seu princípio, negligenciando a realidade que nos rodeia do mundo externo. Já se vê, que ele é sempre um dualista, que recorre a conceitos antagônicos, como consciente e inconsciente, exterior e interior, prazer e desprazer, vida e morte. Tais duplicidades confirmadas na clínica, em vez de se contradizer, se complementam. No artigo de hoje, amor e obsessão, vamos juntos descobrir reveladas dualidades e suas particularidades. Boa leitura.
Em nenhum outro lugar, a omnipotência do amor se manifesta com mais força, condição onde a sexualidade e colocada como sublime, e, ao mesmo tempo, como infeliz e catastrófica, aparecendo em todos os lugares da dependência íntima do ser. Nosso vínculo amoroso, e na realidade a geração de um espaço, onde todas as possibilidades imaginativas, inovadoras, engenhosas, férteis e conflituosas são observadas. Á partir delas, surge uma relação de complementaridade que podem nos conduzir a abandonar o círculo vicioso do narcisismo, transformando, a necessidade de satisfação pulsional em amor. Freud descreveu este processo em “Introdução ao narcisismo de (1914)”, dizendo: “Um forte egoísmo nos protege contra o adoecimento, mas no fim, é preciso começar a amar para não adoecer, e dita força de fato nos adoecerá, se por frustração não pudermos amar”.
O amor, com seu hermetismo obscuro, pode prejudicar a visão perfeita e o ideal que dele projetamos. Obvio, que o mesmo não pode tudo, não é a única coisa necessária para nossa sobrevivência, mas, nem sempre estará apto a ser correspondido, e não virá necessariamente acompanhado de garantias, portanto, não significa completude. Nem mesmo o amor de mãe, que parece para a maioria ser um amor incondicional e suficiente. Destarte, é através dele que surge o desejo de vida, mas também, por sua experiência que poderemos assimilar e conceber nossa própria incapacidade de sermos imponderáveis na questão da nossa falta. Procuramos por aquilo que nos completa exteriormente, projetamos o ideal de completude no ''Outro'', para depois nos apercebermos que eles também não são completos, nem irrepreensíveis, principalmente, não podem dar o que não tem. Assim, parece que estamos presos a um eixo sequencial repetitivo, que nos empareda desde que surgimos como sujeitos. Bom dizer, (o sujeito, para a psicanálise, é aquele que se constitui na relação com o Outro, através da linguagem. É em referência a essa ordem simbólica, que se pode falar em sujeito e subjetividade a partir de Freud, em especial após a produção teórica de Lacan. O amor, entendido a partir da psicanálise, está ligado o ego do sujeito, que se coloca como objeto de amor, mediante uma idealização do próprio ego, que está ligado ao narcisismo universal de cada um dos sujeitos. Então?;
O que é o amor para Lacan?
Ele diz; ''O amor é a ilusão de fazer de dois, um só''. Diz também; que ele surge quando o outro ocupa um lugar essencial na própria falta. Diante da perda de um amor verdadeiro, a dor e o sofrimento estarão presentes, porque a ausência subsiste, da forma mais tocante, rude e áspera.
O nome do sofrer por amor.
A Limerência, é um estado cognitivo e emocional involuntário, resultante de um desejo romântico por outra pessoa (objeto da limerência), marcado por uma intensa e obsessiva necessidade de se ter o tal sentimento, absolutamente correspondido. Como uma existência psicológica, no qual a pessoa sente uma verdadeira obsessão pelo ser amado. É um estado cognitivo, afetivo e emocional involuntário. Seria, então, o estado inicial pelo qual atravessamos ao encontrar o amor, tipo aquela sensação maravilhosa que damos metaforicamente o nome de; estar no céu. Essa idealização do outro, assistida por uma alegria incompreensível, da sua companhia, são sintomas incontestáveis de limerência. A ausência de amor, implica muitas vezes em sofrimento, precisamente, essa maneira extrema de amar, que nos afunila para uma provável aflição. O amor, é um sentimento deslumbrante, magnífico e extraordinário, por ele, podemos mover montanhas, paralelamente, como fenômeno obsessivo em sua carga potencial ficamos expostos. É então, que falamos de limerência como mazela do amor, ela que nos afeta, sem nosso consentimento racional, e pode tornar-se um dissabor, que nega a possibilidade de aproveitar e curtir as benesses de amar e ser amado(a). A identificamos, quando a paixão se torna uma obcecação, como consequência de uma, atracão por alguém, associada a uma necessidade ansiosa de ser atendida. Clinicamente, podemos conectá-la a uma perturbação obsessivo-compulsiva, por se tratar de um estado inconsciente, estabelecido por atos, pensamentos e comportamentos intrusivos, notórios pela angústia e exasperação que irradiam. Suplementarmente dotada de medo, a rejeição e contornos emocionais negativos.
Seu significado
O termo limerência foi impresso contemporaneamente pela psicóloga Dorothy Tennov, no livro; ''Love and Limerence'' - The experience of being in love — ''A experiência de estar apaixonado'', onde apresenta suas descobertas sobre o amor romântico, após a realização de pesquisas e entrevistas com centenas de pessoas. Sua teoria trata o assunto além da paixão, da dependência do outro, adaptação aos gostos e o abandono de particulares aspectos da sua vida.
Diferenças entre amor e obsessão.
As diferenças entre amor e obsessão são muitas, parecem ser nitidamente compreensíveis, destarte, possam ser confundidos nas primeiras percepções. Como conformação de amor de fixação, inicia como uma paixão, mas, se manifesta na prática diária como um verdadeiro quebra-cabeça problemático. Assim, são muitos os que fazem críticas a Dorothy Tennov, no sentido que entendem que amor e limerência, como conceitos permutáveis, não pertencem um ao conjunto do outro. Tais opositores, fazem ou alegam uma separação clara entre ambos conceitos, onde tal entra como uma condição involuntária, necessariamente prejudicial. Ainda, defendem que o amor e a limerência podem sim ser embaraçados, difusos nas fases iniciais de uma relação, mas que ao passar do tempo, apresentariam perfis completamente dissemelhantes. No amor e na paixão, vivenciamos afetos e adaptações, tudo em nome de um laço estável e comprometido, embora possa descambar para condutas e atitudes desfavoráveis, como manias, perseguição, controle, ciumes desmedidos, enquanto no amor positivo, tudo flui para o bem positivamente. Na obstinação passional, coexiste uma conjuntura imaginária, que não corresponde à realidade, gerando conflitos negativos para a relação. Aqui podemos convocar um exemplo clássico da literatura, Romeu e Julieta, uma tragédia do escritor inglês Willian Shakespeare (1564 – 1616), escrita no final do século XVI. A obra de dramaturgia, relata a história de amor, onde ambos preferem morrer a separar-se. Muito interessante, que de obras do século XVI, possamos ter um exemplo ideal para ilustrar o hoje.
Vejamos quais características acompanham os pensamentos obsessivos;
Provocam a reavaliar atos e atitudes do passado, não para ser superados, mas para remoer culpas;
Levam a um julgamento autocrítico, suscitando sentimentos de vergonha e baixa autoestima;
Não desejam ou implicam inovações, ou soluções, senão acrescentar preocupações;
São irracionais e de lógica duvidosa;
Se implantam complexamente, sendo difícil substituí-los por outro assunto;
São inoportunos, nos visitam antes de acordar, em momentos de alegria ou durante uma conversa;
São diários e recorrentes no assunto, martelam;
Querem e assumem o controle da psique, perturbando o foco e a concentração;
Trazem interpretações ansiosas e angustiantes, que se validam na mente como cada vez mais reais;
Resultam em impulsos repetitivos, como estrategia para silenciar temporariamente a ansiedade da obsessão;
Geram medo e desconforto, nos fazem evitar lugares, objetos e situações, para se protegerem das consequências calamitosas da fantasia;
Entre outros.
''O amor nos auxilia a analisar sobre uma perspectiva ampla e diferente, desta forma, podemos pensar um pouco mais. Já a paixão, pode ser curta, surda, cega, insensível e muda. Durante a convivência com esses impulsos biológicos, afetivos e emocionais, não existe trânsito para às descargas mentais se manifestarem. Ficando atentos quanto ao laço constituído, os sentimentos verdadeiros e factuais vencerão. Eles podem ser facilmente explicados e avaliados, usando de uma boa comunicação, alicerçada na experiência, no conhecimento e carinho recíproco''. Dan Mena.
Sintomas da limerência
As pessoas que sofrem de solidão podem desenvolver uma série de sintomas psicológicos e físicos. Por um lado, o desejo de que o sentimento de amor seja correspondido leva-as(os) a ter constantes pensamentos intrusivos, concentrando toda a sua atenção na pessoa que recebe a obsessão, esquecendo-se de si próprias. Este estado, pode provocar altos e baixos emocionais e instabilidade emocional, baixa autoestima, sentimentos de êxtase ou timidez quando o alvo responde a algum dos estímulos, podem surgir sintomas de raiva, ira, vergonha e depressão, quando rejeitados(as). Além disso, criam estrategias para atrair a sua atenção, mantêm um contato vigilante e constante, visando controlar todos os movimentos e reações da outra parte, chegando a interpretá-las exageradamente. Qualquer pequeno sinal, é motivo de ação por parte da pessoa responsável, e pode levar em casos muito extremos à manipulação e assédio. De fato, pessoas que sofrem desta obsessão, podem colocar seu desequilíbrio acima de qualquer outro ponto de vida. A limerência, provoca sintomas evidentes também na esfera pessoal, como o isolamento, baixa produtividade no trabalho, falta de concentração e um estado de ansiedade constante devido à incerteza.
Os sintomas físicos podem ser os seguintes;
Nervosismo intestinal;
Problemas de apetite e náuseas;
Insônias e pesadelos;
Ansiedade, ataques de pânico;
Depressão e angústia;
Taquicardia;
Elevada sensibilidade e afeto em relação à proximidade da pessoa;
Gaguez e timidez;
Suores e tremores.
O amor saudável é um sentimento da espécie e da reprodução, sem ele, ninguém toleraria o diverso. Ele implica incluir o outro, vê-lo como ele(a) é, ouvi-lo(a), e aceitar, em determinadas margens, suas características e traços pessoais, como suas manias, virtudes e atributos. Estar apaixonado é essencial para a vida, precede como uma janela, ocasionalmente um amor muito poderoso. Nele podemos encontrar a pura energia sexual, que amplifica essa possibilidade e une duas pessoas, mesmo que seja à distância. Tal sua potência, que podemos cair na armadilha ilusória de que se é um só. Assim, é como se as fronteiras se atenuassem diante do laço, da união. Por isso, a separação de contextos é muito importante para aprender a mensurar o espaço necessário do outro. Temos de enxergar que o (homem-mulher) não vivem só de amor, é crucial separar-se, desprender-se, para ficar junto. Se o amor vem para unir, será imprescindível também aprender sobre essa divisão, para trabalhar, sair com os(as) amigos(as), para ir ao clube, a manicure, etc. Depois, voltar ao vínculo, como um exercício que se une e se separa, de tal forma que é necessário trabalhar para continuar e, talvez, para construir um amor, quem sabe para toda a vida. É capital distinguir a divisão entre amor e obsessão, para os quais é aconselhável uma terapia psicanalítica, que pode pontuar o bom funcionamento da relação. A intervenção de um terceiro, como um terapeuta, ajuda no saber de perspectivas individuais, discutir ângulos diversos e alheios do outro. Porque para haver dois, tem de constar um terceiro que os separe, que lhes mostre o que é ser duas pessoas. Amar é falar, e poder expressar e dizer ao semelhante palavras importantes e necessárias em determinados momentos. ''O afeiçoamento é produção, não, é algo que um tem e o outro não, e antes que um afeto, um amor, uma doação. Se estrutura na própria relação, é algo novo, que não existia antes; por isso, deve se contemplar com tolerância, coexistir com sua incerteza, ser partícipe e apoiá-lo, como contínua construção''. Dan Mena. Elaborar um projeto de vida, de trabalho, ter uma estratégia, objetivos, cientes que isso mudará, vai se transformar com o passar do tempo. Uma pessoa que não consegue sair da visão egocentrista, será sempre vista(o) como alguém deprimido(a), doente, estagnado(a), que pode mesmo caminhar para a perda do desejo de viver, tornando-se um fator que tende de pôr fim a vida. A existência humana não tem sentido sem a impossível e indefinida esperança da busca da felicidade, não sem sonhos, sem ideais, com uniões e compartilhamento.
“Quem ama, se torna humilde. Aqueles que amam, para dizer isso de alguma forma, renunciam a uma parte do seu narcisismo” Freud.
Então, questiono… não deveriam estas frases, minhas ou dos ilustres mestres, nos fazer pensar e refletir quanto a nossas dificuldades e incapacidades para amar assertivamente? Nascem de um desvio psíquico ou são o resultado do nosso egoismo? Creio seja uma árdua tarefa amarmos, se estivermos obsessivamente comprometidos, nutrindo um ideal irreal e imaginário do Outro. Sobretudo, será improvável olharmos para o oposto se, por exemplo; focarmos excessivamente no trabalho, mas, sem ter ninguém com quem partilhar o fruto desse ganho, ou estar desmedidamente preocupada(o) em encontrar a mulher ou homem ideal, aquele(a) irrepreensível, impecável, perfeito(a) e que nunca encontrarei. A teoria freudiana vai ainda mais longe do que o princípio do prazer, suas indagações vão além. Onde começa e termina o exterior? Tem limites nossa vida interior? É o desprazer que dá origem ao prazer? Será que supostas facilidades da nossa época, nos oferecem oportunidades naturais de nos subtrairmos da virtualidade?
Os pacientes, e aqueles que lutam contra o exagero sentimental, deveriam, além de identificar os padrões comportamentais destrutivos, trabalhar o objetivo principal, que se concretiza pela transformação em formas saudáveis de pensamento sobre si e dos outros. Deduzo, que o ser humano, enquanto sofrer com sua realidade imaginária, certamente, encontrará sempre uma forma de argumentar para se abstrair dela, somos ótimos nisso. Dita conduta está além desta época, da nossa condição, utilizaremos o que tiver à mão para enfrentar de costas o sofrimento. Recorrer como método, à livre associação de ideias, (técnica psicanalítica), nos permite descobrir às verdadeiras e profundas razões dos desconfortos que nos envolvem e circundam. Até a próxima!
Passemos ao poema;
Longe de ti!
Não sinto o meu pulsar,
Não há ar que entre, os meus pulmões, querem parar!
Já não têm razão para trabalhar!
Como se fosses a minha energia para neste vida estar,
Longe de ti Amor... não quero ficar...
Longe de ti!
O Sol se esconde por entre o algodão que no céu paira,
A Lua já não espelha como antes brilhara,
A coruja já não aparece, já se esquece a noite que passara,
Todos entristecem por ti! Que antes nos encantara!
O espírito contente, que a melodia agora melancolia instalara...
Longe de ti!
Recuso-me a ficar!
Prefiro mil mundos descobrir, investigar,
Ser presa, roubar ou até matar!
Talvez adoecer na esperança de tu meu Amor, não ires e quereres ficar...
Aperceberes-te que é a mim e só a mim que vais eternamente amar!
Longe de ti!
Ah! Meu doce pecado!
Amarro correntes no meu pescoço, enforco o coração apaixonado!
Pois só assim me libertarei deste estado!
Um louco demente e doido desenfreado...
Longe de ti não fico, pertencerei sempre ao teu passado!
Ghost
Até breve, Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130
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