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A Violência.

Atualizado: 22 de set. de 2024



A perseverança é mais eficaz do que a violência, e muitas coisas que, quando reunidas, são invencíveis, cedem a quem as enfrenta um pouco de cada vez. Plutarco

Por Dan Mena.

Freud explica que há duas forças internas: a que quer preservar a vida e criar a pulsão erótica e sexual, e, por outro lado, a que cogita destruir e matar, assinada como pulsão destrutiva.  “Ambas, são igualmente indispensáveis, pois a partir de sua ação combinada ou antagônicas que os fenômenos da vida acontecem”.


A ocorrência que nos acompanha, aflige a humanidade ao longo de sua história, tal se tornou um relato das atrocidades e manifestações brutais que se sucederam ao longo da nossa evolução e existência. Qualquer época que observemos, está imersa em sangue, guerras, holocausto, perseguições religiosas, ataques, crimes, torturas, aniquilações, homicídios e crueldades. Esses traços, existem como uma narrativa verídica, histórica e primitiva. Embora sabemos, não ser uma estrutura biológica, porque tanto a psicose quanto a violência, podem ser verificadas na linguagem do universo simbólico, comum a toda a humanidade.


Nossa inscrição nesse âmbito, se dá pela cultura, é violenta, enquanto também nos e imposta. Nesse sentido, é fundamental do ser e não pode ser eliminada. Quando surgimos, chegamos à vida, recebemos nomes, família que não escolhemos, batizados em religiões sem ter optado, incluídos em determinadas nacionalidades e tradições, assim por diante. Isso significa, que em nossa origem, somos atravessados(as) pela imposição, seja por meio de palavras ou pelo que o “Outro” realiza em nome do que seria nosso próprio bem. Podemos logo afirmar, que ditas concepções originais do nosso aparecimento como sujeitos, não se dá sem angústia.


A visão Psicanalítica;


Algo sensivelmente implicado é o gozo, intimamente relacionado ao ódio, essa paixão indestrutível e presente no inconsciente. Ele produz uma grande satisfação, mas que é nociva, visto que pode levar à aniquilação do próprio sujeito. Esse entusiasmo, incluído no ódio, está intimamente relacionado ao ego e às formações narcísicas, que determinam o que é próprio, e o que seria alheio. Ditos impulsos que nos habitam, geralmente encontram satisfação em causar danos e impor sofrimento ao próximo. Em seu livro "Unrest in Culture", Freud adverte:


“A verdade oculta por trás de tudo isso, que negaríamos de bom grado, é que o homem não é uma criatura fofa, que precisa apenas de amor, que só ousaria se defender se fosse atacado, mas, ao contrário, é um ser, cujas disposições instintivas, também devem incluir uma boa dose de agressividade”.


Observemos então, que dita ação, na prática, encontra seu objeto eixo precisamente naquele mais próximo, no vizinho, semelhante, no par, na família e amigos. Aqui devo anotar, que grande parte dessa fúria em relação ao “Outro”, é o ódio direcionado contra si.


Desde tempos muito antigos, a ideia de força física e poder estão interligados. Os romanos chamavam de "vīs" essa energia, ou vigor, que permite que a vontade de uma pessoa se imponha sobre o querer e anelo da outra. “Vis tempestatis”, é o termo para associar essa palavra, como a “força de uma tempestade”. Foi assentada como aquela tensão agressiva que caracteriza todo vínculo com o outro. Lacan a conceitualiza, á partir de sua manifestação como pretensão agressiva no sujeito. Quando dize;


“A intenção é expressa em palavras. Fala-se, desde que a palavra seja considerada eficaz, caso contrário, recorre-se ao ato. É um produto da evolução cultural, em que o indivíduo é moldado pelo aprendizado e pelo manejo de hábitos violentos. Não é uma doença. Portanto, para ser revertida, se faz necessária uma transformação cultural e educacional”.


Qual é a diferença entre agressividade e violência?


Na literatura científica, a violência é definida como o ato cometido com a intenção de causar dano físico a alguém ou a alguma coisa, enquanto a agressividade é concebida como um comportamento, com a intenção de prejudicar física ou psicologicamente. Já a violência, quando expressa em agressividade, é uma tentativa inconsciente de esconder nossas vulnerabilidades, defeitos e fraquezas. Gritar não é ser sincero, é um patamar baixo da linguagem. Falar tudo que der na cabeça com agressividade, não é ser autêntico, senão, descontrolado(a) emocional e suplementarmente.


O que há por trás de uma pessoa agressiva?


A manifestação da agressividade em uma pessoa é consequência de sua própria frustração ou da interpretação do que lhe aconteceu na sua caminhada, entendida como algo negativo. A intensidade dessa emoção, pode variar de irritação a raiva, seguida de hostilidade, culminando em uma emoção mais intensa, como raiva, ira ou fúria. Também devo falar, das forças motrizes opostas, as quais são parcialmente coordenadas na maioria das funções vitais, fora outras, que se opõem e lutam entre si. Freud, chamou essas duas forças de vida e morte. Para ele, a inclinação agressiva, “é uma disposição pulsional autônoma, originada no ser humano”, e a cultura, encontra nela sua fonte, onde acha seu obstáculo mais importante e poderoso. A cultura, é um processo a serviço de Eros, que visa unir e entrelaçar indivíduos apartados e isolados, para formar o que chamamos contemporaneamente de humanidade. Esse contraste com a pulsão de morte, busca a dissolução desses laços. Por sua vez, a destrutividade do ser humano, como uma expressão da pulsão de morte e voltada para o exterior. Esse é o cenário ideal, no qual ocorre e se desenvolve a luta entre Eros e Thanatos.


"Ela está inscrita nos diferentes modos de expressão do ódio, que vão desde a rejeição do outro até sua destruição" (Tendlarz).


Em “O porquê da guerra” de Freud, ele destaca, que a pulsão de morte não pode estar ausente de nenhum processo, ela confronta permanentemente Eros, com suas pulsões de vida. Cada uma delas é tão indispensável quanto a outra.


“A ação eficaz, combinada e contraposta de ambas, é o que possibilita explicar os fenômenos da vida” (Freud). 

Dou aqui uma explicação sobre o significado de Eros e Thanatos; (Da mitologia grega e romana; Freud se apropria dos nomes de Eros e Thanatos, para exemplificar as teorias das pulsões humanas, que explicam a formação psíquica de todos os indivíduos. Eros e Thanatos, correspondem ao desejo erótico e a atração pela morte, onde coexistem simultaneamente).


Thánatos, “morte”), também referido como Tânatos, era a personificação da morte. Conhecido por ter o coração de ferro e as entranhas de bronze. Tânatos era filho de Nix, a noite, e Érebo, a noite eterna do Hades.


Eros é apresentado nas mitologias grega e romana, em ambas, é considerado o Deus do Amor. Em representações ilustrativas, esta divindade aparece com asas, arco e flecha ou, algumas vezes, com um coração flechado.


Vemos, portanto, que ditas pulsões apresentadas estão presentes concomitantemente nas diferentes atividades da nossa vida, sendo difícil identificá-las em seu estado original. Destarte, pulsões de vida sejam mais evidentes, ao contrário das de morte, que apresentam uma presença silenciosa, ao estarem sempre ligadas a uma certa extensão da outra, que modificam seus objetivos ou permitem que sejam alcançados. Por exemplo; às pulsões de preservação da vida, de natureza erótica, precisam ter agressividade para alcançar suas realizações. Embora a pulsão de morte, nem sempre venha acompanhada de fins benéficos, aparece como uma representante das forças de ruptura e fragmentação. Se tornam barreiras para o desenvolvimento cultural, “ela” trabalha dentro de todo ser vivo e se esforça para produzir sua decomposição, para trazer a vida de volta ao estado de matéria inanimada. Esses elementos, funcionam tanto no ser, quanto orientados para o exterior e seus objetos. A correlação de impulsos, também está presente nos vínculos sociais que formamos, razão pela qual, os agressivos, acompanham todas as junções, mesmo aqueles representados pelo amor e seus afetos, sendo difícil de renunciar a eles devido ao desprazer que nos provocam.


Sob essa observação, Freud escreve:


“O ser humano não é um ser manso e gentil, no máximo capaz de se defender se for atacado, mas é lícito atribuir à sua dotação pulsional uma boa dose de agressividade'”. Consequentemente, o outro não é apenas um possível objeto auxiliar e sexual, mas a tentação de satisfazer a agressividade nele composta; capaz de explorar a força de trabalho, sem pagamento, de usar o outro sexualmente, sem seu consentimento, de tirar seu patrimônio, sem esforço, de humilhá-lo(a), para produzir dor, martirizar e assassinar.


Nesta linha, Lacan acrescenta;


Essa relação erótica na qual o indivíduo humano se fixa em uma imagem que o aliena de si, onde tal é a energia e forma dessa organização apaixonada, que ele chamará de seu "eu", onde tem sua origem. Essa forma se estaciona, com efeito, na tensão conflitual interna do sujeito, que determina o despertar de seu desejo pelo objeto do desejo do “Outro”: aqui, onde a disputa primordial se precipita em uma competição agressiva, e dela nasce a tríade do outro, do ego e do objeto. Esse plano imaginário, no qual o ego se constitui, tem sua própria lógica, a da ausência de diferenças, encobrindo assim qualquer possibilidade de castração, de modo, que nessa relação narcísica há uma impossibilidade de aceitar ou assimilar, o diferente, estranho e (imperfeito).


O ego imprime sua imagem na realidade, constrói o mundo à sua visão, num modelo de identificação narcísica (identificação narcisista é a forma de reconhecimento após o abandono ou a perda de um objeto. Essa experiência de perda começa na juventude), que determina a estrutura formal do ego, do homem e do registro de entidades características de seu mundo" (Lacan). Projetamos nossos próprios atributos de espaço, nós apropriamos do que confirmamos, e excluímos o que nos ameaça como uma estrutura narcísica, daquilo que é o “completo”, o improvável "perfeito". Esse valor, incentivado pelo objeto imaginário, deslumbra e aumenta a inveja, sua principal atração como aquele que encampa sob uma ilusão o desejo do outro, sem deixar resíduos. Essa sensação de plenitude, típica do eu ideal, e atacada quando o outro aparece com suas características imaginárias de perfeição. Na lógica fictícia, não há lugar para dois, é um ou outro, e assim, a agressividade típica dessa dimensão é um gatilho acionado pela ameaça da falta e ausência. Esse outro, que parece ser realizado e pleno, leva ao desejo de destruição, já que nele há um componente onde se percebe a própria e falsa virtude de completude, mas como algo estranho ao eu. Tal agressividade fantasiosa, ataca a integridade da imagem ideal, onde surge o desejo de aniquilar o oponente, para ficar com tudo. Colocada como aquela tensão que caracteriza todo vínculo com o outro, Lacan conceitua, partindo da sua manifestação, como uma intenção sempre agressiva no sujeito.


"A intenção é expressa em palavras. Fala-se, desde que a palavra seja considerada eficaz, caso contrário, recorre-se ao ato. O ato ocorre quando a palavra cai, e se esgotam suas possibilidades"


A psicanálise, como ética do desejo e não da pulsão, nos convida a refletir sobre o ciclo e tempo que estamos vivendo. Somos incitados a pensar, debruçarmos em como nos deixamos levar por uma cultura de pura satisfação, imediatismo, urgência e hedonismo, e não do desejo. Assim, em vez de pensar no sujeito como um ser social tende a nos destruir, é por força das suas consequências, todos os laços sociais que a compõem. Temos, portanto, de falar sobre o valor da esperança e do amor. Porque será pelas suas vias que nos permitiremos cumprir a função de vigiar essa falta. O amor cuida da ausência, que a apesar da inexistência de um objeto adequado para a satisfação do desejo, pode conciliar um encontro possível a qualquer momento. O vínculo social, o par, o parceiro(a), o amigo(a), o outro, nos salvam do processo de negação, fornecem companhia, nos tiram da solidão, do trauma e da exclusão, desativando o desejo de morte e restabelecendo o valor da existência.


A psicanálise é realizada de forma pessoal com o psicanalista, a grande maioria das pessoas não tem acesso a esse tipo de ajuda. Ela nos permite adentrar a algumas diretrizes importantes, guiar o sujeito para entender a origem dessa paixão violenta e sombria. Nosso propósito clínico ideal, é sempre restaurar ao nível da consciência tudo o que descartamos, negamos ou rejeitamos. Ainda mais preocupante no meu entendimento, que a violência seja exercida silenciosamente contra aqueles que, por sua condição indefesa, estão mais expostos; sejam bebês, crianças, adolescentes, mulheres, idosos, doentes, que por vezes, não podem reagir ou enfrentar em pé de igualdade. É necessário serem oferecidos espaços e condições para a reabilitação psíquica, dando uma oportunidade para aqueles acometidos por esse desequilíbrio emocional. A terapia, é uma justa restituição de direitos do ser, especialmente, em uma sociedade que defendo, deve se esforçar em deixar para trás o sofrimento que instiga a violência. Que avance definitivamente em direção a uma cultura mais humanizada e democrática.


Não posso deixar de mencionar que o tema possui centenas de desdobramentos específicos, que precisam ser tratados individualmente.


Por exemplo;


Violência autodirigida: que inclui pensamentos e atos suicidas, além de tentativas de automutilação;


Violência interpessoal: envolve a violência no eixo familiar e também na comunidade em geral, entre pessoas que podem se conhecer ou não;


Violência coletiva: que pode ser subdividida em violência social, política e econômica. Os atos estão relacionados a ações terroristas, guerras e ataques, que geram fragmentação econômica e social.


Vamos ao poema da semana;


Sabedoria da Não Violência.


A vida verdadeira é como a água:

Em silêncio se adapta ao nível inferior

Que os homens desprezam.

Não se opõe a nada,

Serve a tudo.

Não exige nada,

Porque sua origem é da fonte imortal.

O homem realizado não tem desejos de dentro,

Nem tem exigências de fora.

Ele é prestativo em se dar

E sincero em falar,

Suave no conduzir,

Poderoso no agir.

Age com serenidade.

Por isto é incontaminável.


Lao-Tsé


Por Dan Mena, até a próxima. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130

 
 
 

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