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A Sublimação.

Atualizado: 22 de set. de 2024



''Se existe algo de muito humano no desejo, é a necessária sublimação que fazemos dele''. Dan Mena. Por Dan Mena.


A primeira tese de Freud sobre a sublimação é apresentada em sua obra “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, sendo publicada em 1905. Nesse livro, desenvolve a ideia de que a sublimação é um mecanismo psicológico através do qual a energia sexual, conhecida como libido, é desviada de seus objetivos sexuais originais. Em vez de ser expressa diretamente em atividades sexuais, dita pujança é redirecionada para outras esferas da vida. A sublimação nasce pelo conceito psicanalítico, como técnica de viabilizar esses impulsos instintivos para atividades socialmente admissíveis e produtivas. É uma forma de transformar a energia libidinal em criação cultural e positiva, contribuindo para a sociedade. Muitas formas de expressão profícua são consideradas meios de depurar impulsos, assim, utilizamos este recurso como ferramenta terapêutica para encontrar uma forma de desopressão e descarga pela via da percepção e cognição das emoções, sendo estas às experiências internalizadas do indivíduo. Quando um paciente se envolve em atividades sublimatórias durante a análise, redireciona sua energia psíquica ligada aos seus quereres. Desta forma, em vez de agir impulsivamente, agressiva e possivelmente prejudicial, mobiliza e reúne essa força intelectual para sua exteriorização pela arte, música, escrita, pintura, artesanato, esportes, trabalho ou outras formas de utilização das nossas habilidades. O terapeuta, encorajará o paciente ao despertar dos seus pensamentos, fantasias e emoções, por meios psíquicos de aperfeiçoamento de ideias, processando pelo método clínico, caminhos seguros e construtivos. Ao analista, compreender como o paciente utiliza a sublimação para lidar com suas emoções, poderá guiar o mesmo(a) a desenvolver uma maior consciência, e, instruir-se, (o paciente, ele por si), para enfrentar desafios e frustrações eficientemente. Boa leitura.


No entanto, é importante notar que a sublimação não é a única forma de lidar com estímulos e predisposições inconscientes. Outras defesas psicológicas, como a repressão, a negação e projeção, também desempenham papéis significativos no funcionamento psíquico, sendo exploradas nesse contexto da clínica. A abordagem, auxiliará o cliente a integrar aspectos exânimes de si, para promover o crescimento pessoal e sua autorreflexão. Freud reserva o termo ''sublimação'', para as atividades artísticas, sociais ou culturais, em que as pulsões modificam o seu fim sexual, que retornam ao ''ego'' pela dessexualização, reencontrando um fim erótico, e um objeto inibido no seu propósito libidinoso ou de morte. Difere da repressão, pois na sublimação se constitui uma derivação e um fluxo para sua realização, sem perder a intensidade da sexualização. Enquanto na repressão, como o termo indica, a pulsão permanece profundamente contida, e não é, portanto, re-direcionada. Vejamos algumas citações importantes sobre o tema;


''A sublimação é definida por Freud como "um tipo de atividade humana (criação literária, artística, intelectual) sem relação aparente com a sexualidade, mas que retira a sua força da pulsão sexual deslocada para um fim não sexual, investindo em objetos socialmente valorizados". (Roudinesco & Plon, 2008).


“A sublimação é o deslocamento do instinto sexual para metas sociais mais elevadas; uma forma especialmente comum desse mecanismo é encontrada na atividade artística.” Freud, em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905).


“A sublimação da libido é uma parte essencial do processo pelo qual o instinto erótico busca outra direção e, por meio de desenvolvimentos sucessivos, pode encontrar uma saída socialmente aceitável ou uma utilização não erótica.” Freud, Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (1933).


“A sublimação é um processo em que o instinto sexual, com suas tendências e metas primitivas, é desviado de sua finalidade sexual original, transformado em formas socialmente úteis e culturalmente valiosas.” Freud, O Problema Econômico do Masoquismo (1924).


“A sublimação é um dos principais mecanismos de defesa utilizados pelo ego para lidar com impulsos e desejos sexuais socialmente inaceitáveis.” Freud, Introdução ao Narcisismo (1914).


Outro aspecto importante é que ela funciona como um condutor inconsciente de emoções reprimidas, pilotando a libido a um objetivo mais elevado, mais útil e menos censurável. Este caráter incônscio, gera resultados eminentes, diminuindo o desperdiço energético na luta contra a neurose, (Capps & Carmelo, 2003). Além disso, a satisfação é direta e não reprimida, onde o objeto pode variar, basta que preencha às condições necessárias para a satisfação ser alcançada, (Capps & Carlin, 2011). Atua como um processo, no qual o indivíduo, ao renunciar às suas pulsões substitui o objetivo por outros fins culturalmente aceitáveis, (Palacios, 2007). É sem dúvidas, um fenômeno explicado na religião, filosofia, arte, psicanálise e na cultura, no entanto, a referência conceitual de Freud se mantém firme e altamente aceita universalmente. Não é apenas a sexualização das unidades psíquicas, é também o desvio das forças sexuais instintivas que portamos, o que implica numa metamorfose mental que gera um novo tipo de prazer. Para além de ser uma teoria da formação do indivíduo em sociedade, é um princípio básico de como o gozo e o desejo surgem e se estabelecem em contextos sociais contemporâneos. Não se diferencia pela valorização do objeto da pulsão, mas pela perspectiva do sujeito sobre ele propriamente. A sublimação pode ser descrita como um espaço criativo que surge da energia sexual agressiva, transformada num outro escopo. No entanto, Freud não conseguiu integrar a sublimação nos seus ''Três Ensaios para uma Teoria Sexual'', e o tema ficou inacabado, ficando sua interpretação de certa forma flutuante quanto a sua concepção final, assim pode variar, consoante diversos autores que tem realizado novas interpretações com o passar do tempo.


Mesmo nessa suposta incompletude da obra nesse campo, Freud realiza diversas análises importantes. Expressa que a nossa cultura foi construída sobre a supressão das pulsões, onde o cultural representa o oposto do natural, ou seja, a criação da nossa civilização. Logo inclui todas as grandes obras, estruturas que a humanidade fez ao longo da história, transformando o mundo através do trabalho e produzindo bens materiais, ideais, conforto, tecnologia, etc. Engloba também as expressões artísticas, científicas e o conhecimento que marcam nossa existência no planeta. Como indivíduos renunciamos a muitos de nossos impulsos ofensivos, encaminhando parte deles para contribuir de alguma forma na construção da herança e legados culturais civilizatórios. A sublimação é um decurso que ocorre quando o indivíduo consegue relegar seu narcisismo e estabelecer um vínculo social. Neste sentido, a sublimação funciona como uma forma de reprodução instrutiva, onde são criados os produtos da sua inventividade. Considerada um dos quatro modos de defesa utilizados pelo ''ego'' contra os excessos da pulsão, que consistem no desvio das forças pulsionais sexuais, para um fim não sexual, como a arte ou a geração do conhecimento. Entretanto, a força pulsional sublimada continua a ser sexual e permanece sempre ativa, procurando incessantemente uma satisfação plena que nunca encontra o seu fim, nem será absoluta, menos definitiva, quando supostamente lograda por um lapso temporal. O comprazimento sexual direto e uma forma de alcançar um prazer, sempre parcial, que nos leva a perpetuar uma busca de desenvolvimento cultural e pessoal. Se dita satisfação luxuriosa fosse possivel de ser rematada mediante algum elemento, não haveria razão para o progresso humano, como sociedade, estaríamos seriamente ameaçados, fadados pela produção das neuroses. Para ampliar e alargar o pensamento podemos abrir algumas citações de outros autores;


“A sublimação é a capacidade de transformar impulsos e desejos instintivos em realizações criativas, artísticas ou intelectuais, canalizando assim a energia sexual para atividades socialmente aceitáveis.” Jung.


“A sublimação é um mecanismo psicológico fundamental que permite redirecionar os impulsos sexuais em busca de metas culturalmente valiosas e socialmente aceitáveis.” Melanie Klein.


“A sublimação é um processo de transformação dos desejos e impulsos sexuais em atividades socialmente construtivas e culturalmente relevantes.” Anna Freud.


“A sublimação é a capacidade de converter impulsos e desejos sexuais em produções criativas, científicas ou artísticas, beneficiando assim tanto o indivíduo como a sociedade.” Karen Horney.


“A sublimação é um processo psicológico que redireciona as pulsões sexuais e agressivas em busca de realizações culturais e criativas, enriquecendo assim a vida individual e coletiva.” Erik Erikson.


Já em Lacan, encontramos algumas diferenças interpretativas em relação a Freud. Tida como um processo ambivalente que envolve a transformação dos desejos e fantasias do sujeito através da linguagem e do simbólico. Em sua teoria, destaca a importância da linguagem como a base da sublimação, visto que entende que o mesmo é estruturado linguisticamente, e, que a sublimação é um dos principais mecanismos pelos quais se manifesta no mundo metafórico. Consiste estruturalmente em uma forma de lidar com a falta e a castração, inerentes e sensíveis à experiência humana. O sujeito, ao entrar no campo representativo da sua linguagem e da cultura, se depara diante da falta e sua impossibilidade de realizar plenamente seus anseios mais profundos. Essa privação, é o que constituí e impulsiona a volúpia humana, motor que nos motiva a perscrutar e sondar outras formas de satisfação, que não, a simples realização de intuições. Não deveríamos por essa caracterização elevar a sublimação a uma negação do desejo, mas sim, uma forma de dar uma simbolização aos impulsos e fantasias inconscientes. Ela se acomoda como um rito criativo que nos permite encontrar expressões socialmente aceitas para confrontar nossa perspectiva e dimensão de ausência, falta e incompletude. Portanto, não seria ela, (a sublimação), uma solução definitiva para o conflito entre a concupiscência e a realidade, senão, uma conformação, um formato possível de lidar positivamente com esse duelo conflagrável de maneira mais elaborada. Nunca alcançamos uma satisfação completa, destarte não desistimos de articular novas formas de realizar nossas excitações dentro do campo emblemático da cultura. A arte para Lacan, é do terreno da criação científica e artística, logo é cultural, como um dos delineamentos privilegiados de sublimação. Um canal que nos permite nortear a libido de uma maneira criativa, algo que condensa a identificação do indivíduo, que pode ser partilhado e apreciado por ''outros''. A sublimação é um destino da pulsão diferente da repressão — é, portanto, uma satisfação da pulsão e também, sem estar a tira-colo da repressão. Não é um aprazimento não sexual, consequentemente, significa estar permeada da plasticidade e maleabilidade da força pulsional. “A sublimação é a possibilidade de trocar o fim sexual por um não sexual”. É exatamente essa capacidade plausível de trocar um regozijo sexual por um aprazimento dessexualizado. Destino da pulsão, tal como a repressão, mas propriamente dita, como a respectiva operação da mudança, o verdadeiro ato da substituição, passagem de uma euforia a outra, o que podemos entender, como uma forma refinada de suportar a insatisfação do sexual e também de uma satisfação.


Simplificando; posso resumir algumas das principais ideias e diferenças na teorização de Lacan sobre a sublimação, que incluem:


— Rejeição do conceito freudiano. Questiona e rejeita sua concepção tradicional da sublimação como um desvio da energia sexual para atividades sociais e criativas. Em vez disso, a vê como uma forma em que o desejo se manifesta e se conecta com a linguagem e sua ordem simbólica.


— Desejo e falta: Acredita que a sublimação tem origem na falta fundamental do ser, no desejo que está sempre em busca de algo mais, e que surge como uma resposta a essa ausência, canalizando a libido para a criação e produção cultural.


O papel da linguagem: Implica numa relação estreita com a linguagem e o simbolismo, através dos significantes que o desejo encontra no seu trajeto, uma forma de expressão e entusiasmo parcial, mas nunca completo.


Processo analítico: Pondera Lacan; incluindo a própria análise psicanalítica como uma forma de sublimação, uma vez que envolve o trabalho com a linguagem e a simbolização, para lidar com os conflitos inconscientes do paciente.


Devido a sua introdução do significado de “objeto A”, utilizado para descrever o ''objeto'' perdido e desejado que está na base do desejo, subentende que isto implica uma procura constante dele através da produção cultural e artística. É importante notar que às ideias de Lacan sobre a sublimação são complexas, se entrelaçam e conectam com sua abordagem geral da psicanálise e com a sua ''teoria do sujeito''. Na mesma linha, está o pensamento de Klein, para quem a sublimação é uma tendência para reparar e restaurar o bom objeto, anteriormente danificado pelas pulsões destrutivas. No seminário de (1959 – 60), Lacan segue Freud na sua definição de sublimação, mas sempre pautado em diferenças; enquanto Freud acreditava que para certas pessoas altamente cultas e ativas a sublimação completa era possível, ele negava. Finalmente, para Lacan, o objeto sublime, quando elevado à dignidade da ''Coisa'', exerce um poder de fascinação que acaba por conduzir à morte e à destruição; Talvez aqui eu possa entender que daí decorre sua máxima, de que nem tudo pode ser sublimado, porque cairíamos numa fascinação mortífera.


Seria então o pensamento expressado através da linguagem uma atividade sublimatória?. Fica para reflexão.


Finalizando, se a sublimação é o mecanismo psíquico no qual se baseia a produção da civilização, não seria nada afrontoso pensar que em tempos remotos e primitivos, onde nossos ancestrais chegavam a se utilizar de práticas canibais, que fossem de uma hora para outra se unirem pacificamente para fazer foguinho e construir qualquer coisa conjunta. Por esta razão, neste ponto vou me unir a Lacan, visto que pela sua visão, o desejo, (de qualquer natureza), se manifesta e se conecta com a linguagem e sua ordem simbólica. Diante disso, reflito, eles tiveram, (os ancestrais), antes que nada, falar, se comunicarem entre si para conciliar uma ação conjunta. Assim, a palavra no homem surgiu primeiro diante da necessidade do trabalho como meio de subsistência e sobrevivência, ou seja, como uma exigência evolucionista de transformar a natureza ao seu redor para seu benefício e prazer. Destarte, tiveram que desenvolver a linguagem para poder sublimar, necessitaram da linguística para deixar de ser animais e inaugurar historicamente a era do homem moderno, fundando assim às primeiras tribos, e por efeito as futuras civilizações. Portanto, isso comprova no meu entender, que o ''sapiens'', foi capaz em algum momento historial de postergar fatalmente sua imperiosa satisfação sexual, modificando o elemento altamente agressivo do fim sexual por outro não sexual, eis o lugar da ''sublimação''.


Por fim, ficou claro que o homem consegue deslocar seu afeto de uma ideia para outra, reorientando sua libido para encontrar uma expressão construtivista. O que define, por esta defesa que apresento no exemplo, que sublimação não é o resultado de frustrações, nem da repressão. Para a psicanálise, sublimar é um mecanismo da raça, portanto, algo que funciona ou não, o neurótico, poderíamos dizer, que se diferencia por sua maior ou menor capacidade de sublimar, e que entra aqui, neste contexto, uma realidade clínica real e implícita, onde afirmamos, que adoecemos quando não podemos sublimar. Sublimamos com o instinto, da mesma forma que reprimimos com o sentimento e sua essência original. Isso quer dizer que não se trata de conter, refrear, retrair, recalcar ou sufocar nossos conteúdos, principalmente aqueles que rejeitamos por conta da moral instituída. A repressão é um dispositivo instrumentalizado que permanece montado na infância, de forma natural, progressivamente concebido na medida que adquirimos a linguagem como meio. Quando o reprimido retorna no psiquismo, temos que elaborar inevitavelmente um sintoma, e o que está em jogo nessa cartada, é a repetição daquela busca cuja necessidade é reprisar, logo, estamos diante da sublimação plena. Seguindo ditas trilhas, que nos levam a caminhos, encontraremos às questões dos laços fundamentais para explicar a sexualidade humana.


“A linguagem é o veículo pelo qual a sublimação ocorre, permitindo ao sujeito canalizar suas pulsões para atividades culturais e criativas, como a arte, a ciência e a literatura.” (Seminário XI, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise). Lacan.


Vamos ao poema.


Sublimação. Por Dan Mena.


A sublimação é trajetória singela,

Vive na gangorra de eventos complicados,

Entre pulsões e desejos misturados,

A linguagem, a arte, o encontro desvairado.


Nas veredas do inconsciente profundo,

A energia erótica busca seus rumos,

Se desvia, se reencontra do prazer imediato,

Para encontrar na cultura seu verdadeiro retrato.


A libido intensa e incontrolável,

Que na sublimação se torna palpável,

Transmuta para expressões diversas,

Nas obras de arte, nas rimas dispersas.


A poesia é sublimação em sua essência,

Onde o amor e a dor ganham coerência,

Palavras e simbolismos que ecoam no ar,

Revelando segredos de um mundo a desvendar.


Nas tintas e pincéis de um artista audaz,

A paixão se espraia, se expande, se faz,

Quadros, obras, pontes, monumentos,

Que eternizam querenças e sentimentos,

No vórtice da mente, é a psique em movimento.


Na música, a alma se liberta em notas,

Que tocam o que o verbo não denota,

A sublimação dança sempre no ritmo,

Revelando em sons seus mais íntimos abismos.


No divã que me analiso,

Me remeto aos meus esconderijos,

Sou o sujeito que encontra sua voz e sentido,

Na arte, na linguagem, no ser social submetido.


Essa tal sublimação é o caminho bendito,

Onde a pulsão encontra meu lado infinito,

Sou o ser em busca de mi mesmo,

Que descubro na cultura meu remédio favorito.


Até breve, Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130

 
 
 

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