A Resistência.
- Dan Mena Psicanálise
- 2 de jun. de 2023
- 10 min de leitura
Atualizado: 22 de set. de 2024
“Saber que se é livre, é pior do que não sabê-lo” Sartre.
Por Dan Mena.

Resistência é o conjunto de comportamentos e atitudes de rejeição ou oposição de um indivíduo, particularmente como paciente ao tratamento, e a algum aspecto específico da terapia ou de seu ambiente, em contrapartida, a mim mesmo como analista, que mesmo participando e querendo realizar, resisto a sua implicada aplicação. A experiência psicanalítica, mostra na sua prática, que uma grande parte das formas de sofrimento emocional que nos depararmos na clínica, só existe porque as pessoas em questão, são incapazes de lidar com suas próprias verdades. O paradoxo, é então estabelecido entre o desejo da cura e a oposição terapêutica, onde Freud inicia e estabelece a técnica dá livre associação'' (nossa técnica), que pela sua via, descobre tanto o inconsciente, quanto o fenômeno da repressão, (a repressão é um mecanismo mental inconsciente, pelo qual as ideias ou os impulsos indesejáveis e inaceitáveis para a consciência, senão, suprimidos por ela, são impedidos de entrar no estado consciente. O material produzido como indesejável no sujeito não está geralmente preso à recordação voluntária consciente). Este, é o segundo tema da semana, muito importante para a nossa compreensão, quanto elucidar porque nos contrapomos a alguma coisa, que possa de alguma forma dar resolução aos fantasmas que nos habitam. Boa leitura.
A psicanálise nasceu da necessidade de curar aqueles sintomas que eram inexplicáveis para a medicina do final do século XIX. Darei um exemplo muito prático e lúdico. Certa mulher, tem repentinamente um problema de visão, (sem nenhum registro anterior), que chega a cegueira, obviamente, procura um médico especialista, que sugere pela prática natural da medicina que sejam feitos todos os exames necessários para encontrar e detectar o problema fisiológico, (físico) da sua interrupção de visão. Ao retornar com o médico, mediante a leitura das análises, o diagnóstico dos mesmos mostra incompreensivelmente que dita paciente não apresenta nenhum obstáculo ou doença que a impeça de enxergar perfeitamente.
Qual poderia ser a explicação para este fenômeno?
Então, adentremos um pouco nessa historia bem sinteticamente; pioneiros como Jean Martin Charcot e Josef Breuer mostraram a Freud que a ''histeria'', (logo entendendo que o citado exemplo acima era tratado com esse nome), e quando uma patologia era definida sem uma base comprovadamente fisiológica (não há doença física). Fazem então, as primeiras tentativas de intervenção por meio da hipnose, muito animado e fascinado pelas descobertas dos seus mestres e mentores, Freud começa a tratar a histeria através do método ''catártico'' (o método catártico, consistia em solicitar para o paciente falar livremente, (associação livre) sobre seus sintomas. Essa fala era conduzida até que o paciente chegasse aos eventos desencadeadores da manifestação, por essa razão, o método também é conhecido por associação livre, nome derivado da fala do paciente). No entanto, ele se depara rapidamente com dificuldades decorrentes do pouco espaço logístico e tempo de que dispunha para realizar tais terapias. Além disso, apesar de fragilizados e desesperançados os clientes em achar cura para a doença, resistiam integralmente ao tratamento de todas as formas possíveis. Desta forma, dificultavam e impediam a aplicação da hipnose, ocultavam informações, emudeciam, alegavam não lembrar de fatos relevantes ao tratamento, não colaboravam. Com seu espírito de pesquisa e inquirição, Freud abandona a hipnose como ferramenta clínica para se concentrar no método central da psicanálise, a ''associação livre''.
O conceito de resistência ganha base fundamental na prática psicanalítica, uma vez que o tratamento consistia em tornar o inconsciente consciente, precisamente através da superação dessas resistências, tendo como pilares técnicos a associação livre e a interpretação. Da mesma forma, este fenômeno observável no tratamento levou o fundador da psicanálise a descobrir dois dos seus conceitos mais importantes: o inconsciente e o mecanismo de repressão, ambos, dando origem às resistências que podemos identificar e que são propostas durante a terapia.
Contemporaneamente, o conceito de resistência ainda é tão válido quanto no início da psicanálise, o que nos leva a seguinte indagação:
Quais são as manifestações de resistência mais importantes e difíceis de superar?
Conheçamos as principais:
No final de Inhibition, ''Symptom and Distress'' (1926), Freud menciona cinco formas de resistência. Três do ego: a resistência da repressão, a transferência e o benefício do sintoma. Uma do id: a compulsão à repetição, que está conectada ao impulso de morte, assim como a resistência do superego, o sentimento de culpa inconsciente, e a necessidade de punição. No ano de 1930, ele acrescentaria outra resistência do id, a da tenacidade da libido, na ''Análise Terminável e Interminável'' de 1937. As revelações mencionadas, devemos acrescentar o que Lacan apontou sobre a resistência do ''próprio analista''. Esta última, geralmente funciona em consonância com algumas das outras, sendo tal resistência do mesmo (analista), sempre cúmplice de alguma do paciente. O que o psicanalista não inclui, devido à sua própria resistência, deve ser algum obstáculo apresentado pelo analisado. A dificuldade cresce, devido ao compromisso de ambas as resistências. O mais comum, é quando uma situação de ''transferência'' (a transferência é um fenômeno que ocorre no ''setting analítico''. Nesse processo, os sentimentos sobre as figuras parentais são atualizadas na relação entre o paciente e o analista. Trata-se de uma parte muito importante da técnica psicanalítica). Dita, é sobreposta a uma situação de ''contra-transferência'' (a contra-transferência é definida como um fenômeno relacional da clínica analítica, por surgir “como resultado da influência do paciente” e, portanto, está intimamente vinculada à transferência, aspecto central do método analítico), que não nos permite compreendê-la e operar sobre ela.
Seguindo em frente, Freud postula que as memórias podem ser agrupadas em camadas em torno de um núcleo psíquico, e que durante a análise, cada vez que nos aproximamos desse foco, a resistência aumenta em grande escala. O indivíduo quer mudanças, mas parte dele(a) escapa a esta transformação e mudanças, porque entende ainda estar em certo equilíbrio com seus desacertos, espremendo uma relativa negação de seus impulsos instintivos, que o narcisismo visa manter vivos, principalmente, porque teme a incerteza dessa conversão. Os mecanismos humanos de defesa desenvolvidos contra os perigos, retornam na cura, esses arcabouços defensivos, tentam manter o controle, pela sexualidade e a agressividade natural e instintiva do nosso ser. Aqui, Carl Jung nos esclarece brilhantemente, “O que negamos nos submete, o que aceitamos, nos transforma, o que resistimos, persiste”. Esta frase resume magistralmente, a dinâmica entre o consciente e o inconsciente. Negar e resistir, é dar a algo uma classificação de maior relevância, a ponto de se tornar uma força orientadora da vida, por outro lado, acolher a realidade, liberta, nos permite redirecionar a vida positivamente. A resistência, só leva ao aprofundamento daquilo que não desejo enfrentar. Más, que em algum ponto da nossa trajetória será inevitável o confronto, ou então, não encontraremos a harmonia. O inconsciente e o mecanismo de repressão, ambos, dão origem ao fundamento das resistências durante a terapia.
Com o tempo, a psicanálise ampliou seu campo de estudo para analisar a personalidade 360º graus do paciente. A análise de caráter, se acopla como uma parte inevitável e desejável de todo tratamento analítico. À medida que a psicanálise se tornou mais rica, ampla e excitante, também se implicou mais enigmática, uma vez que a natureza da personalidade é um aspecto difícil de lidar. Isto é perfeitamente compreensível, se considerarmos que nossa estrutura é construída ao longo de nossas vidas, e, acima de tudo, que tem um propósito, de lidar da melhor maneira possível com as demandas internas e externas. O conceito de resiliência, não está exclusivamente ligado a uma chave que nos ajuda a encontrar uma solução para um problema, ou aquela verdade sobre o paciente que ele nem sequer conhece sobre si, ou um comportamento inato, que não estamos cientes de poder praticar, como Freud pensava no início. Pelo contrário, hoje em dia, está relacionado ao vínculo entre paciente e analista, onde o fenômeno é mais uma muralha à relação entre os dois, do que propriamente ao ''insight'' em si. Estas posições foram descritas especialmente por Bion, com sua ideia do ataque ao vínculo, e Meltzer, que define a resistência como algo que vai contra a intimidade, e a vincula à ausência de sonhos na sessão analítica.
Para Lacan, a resistência é imaginária e necessária, porque é o reduto com o qual o paciente se defende da sugestão; é aqui, no respeito à resistência, que a psicanálise difere desse estímulo sugestivo de coachings, gurus, mestres, etc. Como terapeutas, entendemos que a resistência não se deve à má vontade do paciente, mas a uma incompatibilidade estrutural entre o desejo e a palavra, pois enxergamos que o desejo escapa à linguagem. Quanto mais o “Eu” é reforçado, mais obstinação psíquica há, e, é por isso, que não deve ser estimulado. É uma questão de respeitar o tempo do paciente, seus obstáculos, relutância em ser ou não guiado, portanto, a resistência não deve ser forçada, mas simplesmente flutuante na observação de que o cliente, não pode ir mais rápido que seu próprio tempo. Outro fator que desempenha um papel, e que sempre existirá um resíduo psíquico, que nunca pode ser superado, e é melhor que assim seja, caso contrário o paciente seria um ser totalmente sugestionável. Voltando ao estudo de Freud sobre hipnose, o qual é um dos exemplos mais notáveis de persuasão. Exemplo: se o paciente for ordenado a matar alguém ou a fazer um grande mal, estando hipnotizado não o faz. Isto prova, para concluir do ângulo de Lacan, que há sempre um resquício de antagonismo necessário para a autopreservação, e uma reserva mental para a própria preservação do ser e do nosso semelhante. Quando um cliente, que sabemos não está curado, quer abandonar o tratamento, devemos respeitar sua decisão pois nada podemos fazer, senão esperar por ele e seu possível retorno, por ser sabidamente mais um ato resistivo.
Resistências e os dispositivos psicanalíticos na modernidade;
1 — A pulsão de morte na clínica. A reafirmação das resistências ligadas ao impulso de morte, como predominam nas resistências, como a compulsão à repetição, a reação terapêutica negativa e a necessidade de punição. Trabalhar com os efeitos da pulsão de morte significa trabalhar com a parte negativa, ou seja, com a violência destrutiva e autodestrutiva que predominam nestes tempos.
2 — Nem todas as resistências são resolvidas interpretativamente, onde não só o conteúdo de uma interpretação é importante, mas também sua formulação, que inclui o verbal e o não verbal, o dito e o não dito. Há tipos, que só podem ser confrontados com um dispositivo que abre a porta para o desempenho do analista, chamado contra-performance. Entretanto, pode-se considerar que tal posição favorece uma atuação obsessiva, ritualizando e repetindo um modelo para todos os pacientes e todas as situações, sem considerar a situação clínica particular de cada indivíduo.
3 — Trabalhando com a contratransferência. Se chegamos à conclusão de que as diversas resistências assumem consistência quando combinadas com as próprias resistências do analista, isto nos leva a entender, que a própria contratransferência é essencial, onde primeiro precisaremos ouvir as do analista, e depois trabalhar com as do cliente.
4 — Às resistências que encontramos na clínica, podem ser superadas com a interpretação da própria terapia, quando o paciente já compreende os efeitos, que foram reprimidos e entra em uma linha associativa, vendo a relação que estes novos frutos identificados têm com os sintomas ou seus comportamentos disfuncionais. Devemos entender que elas funcionam em um nível totalmente inconsciente, e que são forças potentes, que nos impedem de nos ver e projetar como realmente deveríamos.
Sartre disse: “Saber que se é livre, é pior do que não sabê-lo”. O que quis dizer?… devemos apenas tentar um esforço para transmutar esse conhecimento em uma verdadeira libertação para nosso espírito: em compreender a nós mesmos. Mesmo quando em tratamento, a pessoa se beneficia de sua patologia, do seu sofrimento, a ampliação da nossa mente implica em uma mudança radical, enfrentando este novo eu ''possível'' de ser reconstruído,o que produz muita incerteza. Um exemplo clássico; alguém que tem um parceiro(a) altamente tóxico e permanece com ele(a), não por amor ou medo, mas por aversão à ideia de abandono. Seria então a resistência um fenômeno normal e humano, mas é importante saber, em que ponto do tratamento se manifesta, como isso se relaciona com o caráter e a fantasia do indivíduo, a fim de estender a mão, a que possa reconhecer e superar o que ele(a) não conhece. Aquilo que o(a) impede de melhorar sua vida. Hoje, o conceito de resistência é tão relevante quanto era nos primeiros tempos da psicanálise. Embora sua presença oculta, talvez não seja tão evidente como era quando Freud e seus contemporâneos a identificaram, hoje, seu entendimento permite o desenvolvimento bem-sucedido de qualquer análise, e oferece aos analisados o uso de ferramentas e oportunidades de desenvolvimento pessoal. Como psicanalistas, nos aproxima da teoria fundamental psicanalítica, nos ajuda a expandir e melhorar exitosas práticas clínicas.
Para deixar uma definição clara. ''A transferência é um conceito freudiano, que designa o dispositivo organizado da situação analítica, permite a associação livre e a análise propriamente dita, salientando, que ela não é provocada, mas que tem lugar, e que é o que permite sua interpretação''.
Concluindo, obviamente um assunto tão profundo, mais que se faz necessário resumir e abreviar. Talvez a resistência esteja mais centrada no ''eu'', a análise apresenta e desperta por si um imperativo conflito dos desejos inconscientes, incluindo suas crenças, hábitos, a moral vigente, muitas vezes a religião e valores éticos. Estará sempre focada nesse ''eu'', que esconde, evita falar para não causar problemas, ampliar conflitos, aumentar frustrações e criar julgamentos a respeito daquela imagem idealizada que tenho de mi mesmo. Destarte, será sempre acrescida principalmente daquela fantasia sobre a que os outros têm ao nosso respeito. O desafio, será então, encontrar e defrontar esse lugar que a resistência ocupa em nossa dificuldade de sermos transparentes em relação ao nosso inconsciente.
De toda forma, ela coexiste, nos habita para preservar a organização psíquica necessária a uma etapa anterior, análoga a uma análise, uma vez que por algum tempo, miticamente ela provocou também grande satisfação a mim, agora, posta em xeque pela abertura necessária a investigação do meu inconsciente, resisto a afrontar.
“Neurose é a incapacidade de tolerar a ambiguidade.” Freud.
Nesta frase da época, podemos assimilar; que existe de fato a incapacidade de tolerar o que somos e o que não somos; que concreto tudo é, e não é. Não seria muito mais fácil, que fossemos dotados e capazes de definir tudo integralmente? Terra e céu, paraíso e inferno, branco e preto, etc. No entanto, como seres complexos que somos, ambíguos, inexatos, não possuímos dito predicado. Assim, almejar e desejar o contundente estaria para nos, os humanos, como um desejo improvável ou mesmo impossível.
Vamos ao poema;
RESISTIR
"Acredite no poder da palavra “Desistir"
tire o D coloque o R
que você vai Resistir.
Uma pequena mudança
às vezes traz esperança
e faz a gente seguir.
Seguir sua caminhada
que é sua e de mais ninguém,
que a dor, até se divide
mas não se transfere pra alguém.
Que a existência do mal
justifica a do bem.
Tem dor que dói, depois passa.
Tem dor que nem sei mais se dói,
tem dor que adormece a gente,
fica dormente, destrói,
mas se é dor, há de passar,
basta o cabra reparar,
pra cada dor, há um herói.
Imagine que no mundo
existe um milhão de dores,
tem na mesma quantidade
um milhão de protetores…
E se a conta for errada?
Se pra cada espinho na estrada
a gente encontrar dez flores?
Afinal,
A vida é uma mãe severa
que bate pra lhe ensinar,
que quanto mais você cai
mais aprende a levantar,
que o fardo nunca é maior
do que se pode levar!
E a gente leva, carrega
o peso do sofrimento,
mas a justiça divina
nunca erra o julgamento…
Eu não quero ser clichê,
mas eu garanto a você
e falo com o coração:
que não existe uma dor
que transforme em perdedor
quem nasceu pra campeão!"
Bráulio Bessa.
Por Dan Mena, até breve. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130
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