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A Aliança Terapêutica.

Atualizado: 22 de set. de 2024

“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontram as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou” Heráclito. Por Dan Mena.

No processo de construção da civilização e no desenvolvimento do indivíduo, é evidente, que cada movimento é dado em conjunto com elementos culturais, sociais e institucionais, pois a compreensão de mundo exterior é moldado por esses aspectos. Nesse contexto, gradualmente formamos nossa própria maneira de interpretar e pensar sobre nós, é a perspectiva global. O externo, tem o poder da transformação mediante diferentes ângulos, o que nos leva a refletir sobre vários temas, que abrem espaço para às necessárias transformações evolutivas. Como Heráclito afirmava; “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Heráclito de Éfeso, desenvolveu este pensamento há mais de 2.500 anos, no século VI a. C. Seus estudos afirmam; que tudo é “vir a ser”, e que a mutação desse ''tudo'', é constante. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, do combate entre opostos. Isso significa; que o desenvolvimento do sujeito envolve compreender e expandir suas fronteiras psíquicas, o que é explorado na psicoterapia por meio da ''aliança terapêutica'' e do contrato clínico. Boa leitura.


O conceito de relação terapêutica tem ganho muita atenção e reconhecimento nas últimas décadas, não só na psicanálise como fundadora da técnica, mas em várias orientações teóricas e empíricas. Os estudos têm sustentado consistentemente sua importância, partindo de uma variedade de abordagens, que incluem; as cognitivo-comportamentais, sistêmicas, humanistas, interpessoais, familiares e de casais. Uma boa aliança nesse sentido, será caracterizada pela colaboração, respeito mútuo, confiança e empatia, associada a uma maior adesão ao tratamento do cliente-paciente, à melhoria dos sintomas e ao sucesso dos resultados. Isso implica estabelecer uma ligação emocional, um compromisso mútuo entre o terapeuta e o paciente na prossecução dos objetivos pretendidos. Ambos, vão empenhar-se para identificar, transpor e resolver queixas e problemas, bem como promover o crescimento pessoal e a mudança psicológica necessária. É um tema de debate no campo da psicanálise, tem sido abordado por vários teóricos ao longo do tempo, sua origem remonta aos escritos de Freud em 1913, onde ele próprio refere o assunto como um objetivo inicial do tratamento para estabelecer um vínculo. Um dos primeiros a salientar sua importância foi Ferenczi, que enfatizou o papel do analista como uma pessoa real no processo analítico. De acordo com ele; a confiança e a identificação do paciente com o analista serão indispensáveis para o tratamento. Já no entendimento de Freud; as noções de “expectativa de confiança” do paciente, em relação ao analista e a identificação parcial com ele são fundamentais para o processo.


Segundo Bordin, esta abordagem conduziu a uma maior ênfase no desenvolvimento de competências terapêuticas como a empatia, a escuta ativa, comunicação eficaz e capacidade de estabelecer uma relação de confiança. Também levou à integração de abordagens disciplinares, reconhecendo que os aspectos comuns da relação terapêutica são fundamentais, independentemente da orientação teórica específica do profissional atuante. O vínculo da possível eliminação da queixa que se estabelece nas primeiras sessões é substancial, importante para facilitar a mudança e o bem-estar futuro do paciente. No início da terapia, é crucial que o terapeuta crie um ambiente acolhedor e seguro, onde ele(a) se sinta à vontade para expressar suas preocupações, distorções psíquicas e necessidades emocionais. Mostrar, portanto, um interesse inequívoco e genuíno em compreender a situação pela escuta ativa e empática, são competências essenciais nestes momentos iniciais e ao longo do processo. É importante que o profissional explique claramente em que consiste a metodologia aplicada, o que esperar dela, e que responda a perguntas e questionamentos. Isto ajuda a estabelecer expectativas realistas e a criar a confiança cardinal do rumo a ser seguido. Além disso, o terapeuta deve adaptar-se às necessidades e características individuais do contratante. Ser acessível, disponível, confiante, profissional, empático e compreensivo ajudar o mesmo(a) a sentir-se ouvido(a), compreendido(a), sem medo de ser julgado(a). Isto cria um espaço seguro para serem partilhadas experiências íntimas, privadas, guardadas a sete chaves e emocionalmente significativas. Por vezes, o sucesso que se exige da relação está intimamente congênere à qualidade dessa formação. Se o paciente não se sentir confortável ou não estabelecer confiança no trabalho a ser feito, provavelmente irá abandonar a terapia antes de atingir os resultados primários.


Alguns elementos-chaves da comunicação incluem;


Eficácia: A comunicação deve ser direta e compreensível, capaz de expressar ideias, emoções, pensamentos e preocupações eficientemente, sem ambiguidades.


Transparência: Tanto o terapeuta quanto o paciente devem ser honestos e translúcidos na sua comunicação.


Entusiasmo e escuta: Demonstrar um interesse genuíno pelo paciente e pela sua experiência de vida. A escuta ativa envolve doar atenção total, flutuante e concentrada, mostrando compreensão e empatia, pelo que o paciente está narrando verbalmente, quanto aquilo que não é dito, também atravessa a linguagem.


Segurança: Criar um espaço livre de juízos de valor, inclusive da moral, onde o cliente possa se posicionar sem receio de um julgamento, crítica, ou que produza qualquer sensação de ridicularização e desconforto diante das exposições.


Dentro deste quadro comunicativo, a associação terapêutica pode facilitar a exploração dos problemas do paciente de uma forma autêntica e colaborativa, trabalhando via pensamentos, emoções e comportamentos, encorajando o crescimento pessoal e a mudança. O terapeuta pode auxiliar o paciente significativamente a clarificar e compreender o que se espera alcançar no tratamento, estabelecendo objetivos realistas, adaptados às necessidades individuais de cada caso. Uma questão que tem sido objeto de debate é a simetria entre a aliança terapêutica e a transferência. Greenson defende a “aliança de trabalho” como um fenômeno mais racional que se desenvolve nessa união, facilitado pelo ''setting analítico''. Segundo ele, este sinal de transferência racional, dessexualizado, chamado de “rapport”, (rapport é a capacidade de entrar no mundo do ''outro'', transmitir o sentimento de ser capaz, como interlocutor de mediar esse espaço de criação, onde ambos, cliente-analista pronunciaram seu desejo de estabelecer um forte laço comum). Tal capacidade de ir totalmente de um mapa, para a geografia do outro, favorece sensivelmente o processo. Na Europa, a escola inglesa, não aprofundou sobre o tema, exceto Meltzer, que o relaciona com a “parte adulta” do paciente, propondo dar ênfase ao lado maduro dele(a), enquanto se interpretava o aspecto infantil do indivíduo. Etchegoyen, também deu o seu contributo ao diferenciar a experiência da ''transferência'', (a transferência, é um tipo de deslocamento dos conteúdos do inconsciente para o pré-consciente. Esse processo transferencial transcorre como uma projeção atualizada que o analisando faz na figura do analista. Pode ser lido também; como o deslocamento do sentido atribuído a pessoas do passado para o presente. Na teoria freudiana, um postulado requerido para a possível (cura), que, segundo ele, se refere a um ''know-how'', uma bagagem de experiência em que foi possível trabalhar com outra pessoa coligada a primeira, onde um exemplo podería ser;uma mãe e seu bebê. No entanto, em contrapartida, a transferência pertence ao recinto da repetição irracional do passado, que perturba a apreciação e avaliação contundente do presente. 


Muitos investigadores tentaram diferenciar os elementos mais racionais da aliança terapêutica, como a colaboração, trabalho em conjunto, pactos, etc, onde ditos componentes constituintes estão mais relacionados com a transferência, como o apoio, conexão, elo e firmeza. Estes últimos, são considerados episódios transferenciais, outorgados com um maior potencial de poder, gerando adesão e mudanças terapêuticas positivas. A sugestão trabalhada por Freud ao longo de toda a sua obra, também incluiu o estudo da aliança, ora utilizada como sinônimo de transferência sublimada, ora, como efeito do Ideal. A coexistência de efeitos transferenciais sugestivos no vínculo analítico, tem sido levantada por vários autores de grande importância, vários, têm explorado às dimensões narcísicas de todos os vínculos sociais, especialmente no analítico. Destarte a centralidade da relação no processo e nos resultados do tratamento tem sido destacada, se erguem indagações sobre a ideia de uma transferência livre de contaminações, interpretações livres de sugestão e da posição e lugar da imagem do terapeuta como um mero espelho. Esse elemento dual em processo, em que a impessoalidade do terapeuta pode ser, inclusive prejudicial ao seu papel como clínico. Safran e Muran destacam; que o desenvolvimento, resposta e solução de problemas através da aliança terapêutica que não se apresenta apenas permeadas de pré-requisitos para às transformações, mas são a própria essência do processo de ressignificação. Henry e Strupp argumentam; que as fronteiras entre a relação real, os efeitos de transferência e outros componentes inconscientes da aliança são débeis e fragmentados, que no seio dessa conexão há sempre presença de elementos sugestivos. A interiorização da experiência que ocorre no vínculo, com estes componentes reunidos atuando como agentes de transfiguração, conjuntamente com outros elementos que emergem do mesmo processo dependem do vínculo, influenciado por diferentes elementos ao nível transferencial e sugestivo.


Vários aspectos favorecem a correspondência terapêutica;


As ferramentas utilizadas para traduzir o conhecimento, numa estrutura que melhora a visão que o paciente tem da relação referenciada, inclui o ambiente onde tem lugar a atitude favorável do terapeuta.


As técnicas terapêuticas são procedimentos verbais e não verbais, destinados a reduzir os sintomas e suas consequências, aplicadas de uma forma que demonstrem a capacidade de manter e perpetuar o tratamento.


O timing, é à conformidade adequada entre a disponibilidade do paciente para a intervenção e se realizar interpretações adequadas no momento certo para otimizar os resultados da sessão.


A atitude, implica uma obrigação por parte do terapeuta de ser respeitoso, gentil e atencioso, sincronizado com as realizações do paciente e não apenas com os seus problemas.


O terapeuta deve ter uma sólida compreensão de como as impressões são formadas, como às pessoas reagem, e o que as motiva a iniciar, reestruturar e manter os seus efeitos.


A imaginação é a capacidade de adaptar as intervenções às características únicas e específicas do paciente contribuem para a compreensão e sensibilidade ao trabalho.


As competências envolvem a direção da terapia, assertividade, utilização de instrumentos de avaliação, incentivo à participação do paciente-cliente e a organização dessa informação coletada. Além disso, transmitir claramente o que se planeja extrair do contexto terapêutico.


Estes aspectos contribuem para a criação de um ambiente favorável, fomentando uma relação de confiança e colaboração que deve e pode motivar os resultados desejados. Sendo um conceito central na psicoterapia, o laço-aliança, desempenha um papel crucial no progresso, evolução e prosperidade da investigação nesta esfera. Historicamente foi demonstrado e consolidado, que uma boa execução está associada a resultados, um guia de iluminação para o desdobramento da sua aplicação, quando realizado tecnicamente, por profissionais capacitados e experientes. É uma referência que nos ajuda a estabelecer determinadas diretrizes orientativas que respeitem o paciente é às práxis. No entanto, é importante ter em conta; que ditos preceitos podem variar em função das características individuais dos clientes, das patologias, sintomas, queixas, estilo pessoal, recursos implementados, linhas terapêuticas e métodos inerentes a cada linha profissional. A investigação contemporânea enriqueceu amplamente nossa compreensão da ''aliança terapêutica'', e quanto a suas variáveis, onde numerosos estudos científicos demonstraram sua sólida eficácia na melhoria dos resultados terapêuticos e suas aplicações atuais.


Ao poema; Aliança

Carlos Drummond de Andrade.


Deitado no chão. Estátua,

mesmo enrodilhada, viaja

ou dorme, enquanto componho

o que já de si repele

arte de composição.

O pé avança, encontrando

a tepidez do seu corpo

que está ausente e presente,

consciente do que pressão

vale em ternura. Mas viaja

imóvel. Enquanto prossigo

tecendo fios de nada,

moldando potes de pura

água, loucas estruturas

do vago mais vago, vago.

Oh que duro, duro, duro

ofício de se exprimir!

Já desisto de lavrar

este país inconcluso,

de rios informulados

e geografia perplexa.

Já soluço, já blasfemo

e já irado me levanto,

êle comigo. De um salto,

decapitando seu sonho,

eis que me segue. Percorro

a passos largos, estreito

jardim de formiga e de hera.

E nada me segue de

quanto venho reduzindo

sem se deixar reduzir.

O homem, produto de sombra.

desejaria pactuar

com a menor claridade.

Em vão. Não há sol. Que importa?

Segue-me, cego. Os dois vamos

rumo de Lugar Algum,

onde, afinal: encontrar!

A dileta circunstância

de um achado não perdido,

visão de graça fortuita

e ciência não ensinada,

achei, achamos. Já volto

e de uma bolsa invisível

vou tirando uma cidade,

uma flor, uma experiência,

um colóquio de guerreiros,

uma relação humana,

uma negação da morte,

vou arrumando esses bens

em preto na face branca.

De novo a meus pés. Estátua.

Baixa os olhos. Mal respira.

O sonho, colo cortado,

se recompõe. Aqui estou,

diz-lhe o sonho; que fazias?

Não sei, responde-lhe; apenas

fui ao capricho deste homem.

Negócios de homem: por que

assim os fazes tão teus?

Que sei, murmura-lhe. E é tudo.

Sono de agulha o penetra,

separando-nos os dois.

Mas se...


Até a próxima, Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130

 
 
 

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