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A Luxúria.

Atualizado: 28 de ago. de 2024




A luxúria vem do luxo, e o luxo pela sua etimologia é a abundância. Ao longo da história, e partindo do cristianismo, com o seu lugar na literatura, na arte e no social, sob certas leituras, como um valor religioso. Desde uma perspectiva psicanalítica, poderia ser considerado uma antítese. Às religiões em geral definem a luxúria como um pecado grave, um desejo sexual desenfreado e incontrolável. Por Dan Mena.


A luxúria vem do luxo, e o luxo pela sua etimologia é a abundância. Ao longo da história, e partindo do cristianismo, com o seu lugar na literatura, na arte e no social, sob certas leituras, como um valor religioso. Desde uma perspectiva psicanalítica, poderia ser considerado uma antítese. Às religiões em geral definem a luxúria como um pecado grave, um desejo sexual desenfreado e incontrolável. Destas ideologias, sua qualificação como luxurioso poderia indicar um vício sexual e suas possíveis ''transgressões''. Ditas regras morais dos primeiros ensinamentos cristãos se baseavam numa categorização dos vícios, alguns menores e outros mortais, que dependendo da prática, ameaçavam o ser a sua condenação eterna. Consistiam em uma lista de sete pecados mortais, com seus devidos opostos, que eram às sete virtudes, pelo que a castidade se contrapunha à luxúria. Para a psicanálise, é interessante decifrar o oposto, neste caso, os valores católicos propostos, a virtude representa o bem, enquanto o mal está do lado da luxúria. Mais tarde, cada pecado foi associado a um demônio e a luxúria foi atribuída a Asmodeus, que já figurava no Antigo Testamento, bem como no Talmude Persa, este anjo das trevas que veio posteriormente para o judaísmo, mais tarde para o cristianismo. No Antigo Testamento, ele é o símbolo do desejo da carne, no Talmude, apareceu em ligação com o rei Salomão, como rei de todos os demos, semelhante à ideia cristã de Satanás e a amante de Lilit. Também, nas mitologias de todas às culturas existem suas deusas ligadas a luxúria e o amor, tais como; Vénus em Roma, Afrodite na Grécia, Kamadeva no Hinduísmo e Lilit na Babilônia.


Olhando pela Psicanálise, Freud introduz a ideia de que não existe um instinto puramente natural no ser humano, mas que é a cultura que modula o seu impulso físico de sobrevivência, onde a sexualidade é uma fonte de prazer tanto físico como psíquico. Culturas diferentes, tratam essa energia de diversas formas, como o tabu, incesto, rituais, masturbação, entre outros.

É considerado, em termos psicológicos, como qualquer outro vício, sendo uma perda de controle ou a incapacidade de uma pessoa se inibir de fazer ou praticar atos que produzam consequências adversas para si. A luxúria e o amor, estão frequentemente relacionados com relações íntimas, embora não na mesma dimensão. Uma implica intimidade sexual, um interesse exclusivamente físico, e a outra, uma estreiteza ligada ao emocional. Na sociedade atual, a luxúria é acompanhada da imaginação, impulsionada por anúncios televisivos, revistas, redes sociais, moda, canais pornográficos, que transformam o privado em público, oferecendo todo um mercado do sexual, como brinquedos eróticos, estética, pornografia e tudo o que possa gerar lucro. O ser humano não é dominado pelo instinto, ele é habitado pelo impulso, onde coexiste com uma força constante de energia sexual, que precisa conter, modular e dar-lhe seu destino. Domesticado por uma rede social de proibições e leis que se organizam em termos de uma variedade de usos. Logo, a sexualidade contemporânea teria então duas alternativas: ou se submete à “civilização”, como diria Freud em “O Mal-estar na Cultura”, e se satisfaz com certas restrições impostas, ou a transforma em erotismo, cuja característica principal seria transgredir a proibição a fim de se satisfazer. Portanto, o erotismo não poderia ser produzido sem a existência de uma restrição, onde uma proibição, provoca a fantasia de poder transgredi-lo.


Não confundiremos luxúria e amor;


Há várias diferenças entre eles, são dois sentimentos que embora se possam manifestar em todas às relações simultaneamente, há sempre mais de uma do que da outra. Dualidades que frequentemente se encontram, mas não são sinônimas, uma vez que na ideologia coletiva, a luxúria é entendida como aquela relacionada com o sexo puro, enquanto o amor, implica uma relação muito mais pessoal e profunda. Embora se entenda como duas vertentes diferentes, é difícil estabelecer onde termina uma relação luxuriosa e começa uma amorosa. Pode haver luxúria no amor, e encontrar um lugar no amor para a luxúria, tudo depende de como se vive, isso inclui o olhar particular que desprendemos sobre eles.


É por isso que me pergunto… Em que parte da luxúria existe ou está o pecado?


No desejo, no que desejamos ou no grau de desejo que a ele incorporamos?


Deixo a pergunta para cada um dar sua interpretação.


Nesta frase de Dante, eu particularmente encontro uma certa conciliação para o seu lugar.


A luxúria merece ser tratada com piedade e desculpa, quando é exercida para aprender a amar. Dante Alighieri


O ser humano precisa de sexo, considerado uma das necessidades básicas de acordo com Abraham Maslow, psicólogo estado-unidense, um dos fundadores e principal expoente da psicologia humanista e sua pirâmide de necessidades. O sexo, como a fome, sono, sede, agressividade e temperatura, são provimentos básicos na escala das motivações humanas.

Já quando falamos do debate fisiológico, é óbvio que podemos viver sem ele, mas não sem comer, beber ou dormir; eis que aqui surge uma questão; sem sexo, como iriamos nos reproduzir? Por essa razão que o mesmo é permitido pela religião católica e outras, desde que condicionado por obrigações, como a instituição do casamento.


Seria, portanto, perigoso o desejo?


Sabemos que é precedido por um sentimento, seguido pela atração. Às afeições, no que lhe concernem, são emoções básicas, como a raiva, solidão, medo, tristeza, alegria, medo, etc. Já o amor não é um afeto puro simplesmente, pode ou não ser acompanhado da excitação sexual. Neste sentido, o que ele produz é tornar-nos mortais, dirigindo nossa atenção para o outro, e não para Deus e às religiões. Assim, identificamos que o mecanismo regulador utilizado historicamente para essa instrumentalização tem sido o medo, tentando manipular a sexualidade para à mera procriação. Outrossim, tentou negar fatores como o prazer, a descoberta do corpo, impedindo que indivíduos desenvolvessem sua sexualidade de uma forma saudável, desinibindo e partilhando trocas com seus pares como um presente biológico legítimo da vida. Além disso, seu reconhecimento, significa uma aceitação incondicional do corpo como estrutura, um receptor e transmissor do amor, que pela sua trilha, capacita a cura das nossas feridas existenciais mais profundas.


Diante do exposto, sobre os pecados, não há dúvidas que o equilíbrio é de grande importância no seu manejo. A luxúria e a abundância são fatores determinantes, porque podemos encontrar em seu excesso uma defesa repleta de argumentos. Tal como o sexo pode ser um veículo de ligação com o nosso ser, também sua exorbitância pode ter um lado negativo, levando-nos para longe de sim. Uma procura constante de volúpia, indica um pressuposto emocional para evitar pensar ou sentir a verdadeira ligação interior com o nosso ser, concedendo um alimento de fuga para o Ego, que cria uma segurança fictícia e fragilizada, nos conduzindo a um círculo vicioso arriscado. Pode ser assustador fundamentar e projetar nele o próprio vazio, do qual tentemos escapar através dos seus estímulos, tentando preencher o âmago da alma com orgasmos. No entanto, práticas sexuais transgressivas sempre existiram, hoje em dia aparecem com maior nitidez sob diferentes tipos de vícios, como drogas, pornografia, jogos de azar, trabalho, telas, etc. Sob uma perspectiva Psicanalítica, a luxúria em desequilíbrio pode estar ligada à perversão, e a devassidão como estrutura, na qual nos coloca como instrumento de gozo do Outro, que também e objeto na posição da fantasia e sua estratégia. Fiquemos atentos para a exaltação dos sentidos que nos é imposta pelas mídias como uma obrigação para alcançar o paraíso fictício, surreal, impossível, que não tem consistência nem se sustenta para quem reflete. Estamos diante de novas modalidades de gozo, que rompem e evidenciam a derrubada de ordenações psíquicas e sociais importantes para a vida. Posso citar como exemplo; os enfrentamentos a autoridade paterna e materna atuais, condições que produzem sujeitos expostos a experiências frugais, tornando-os escravos/as de impulsos que assumem uma indesejável posição soberana sobre a vida.


A luxúria é como a pimenta, só pode ser tolerado em pequenas doses.

Mercier


Apreciemos o Soneto 129 de William Shakespeare.


O desgaste do espírito quando se envergonha

É obra da luxúria; e, até a ação, a luxúria

É perjura, assassina, sanguinária, culpada,

Selvagem, extrema, rude, cruel, desleal,


Logo desfrutada, porém, em seguida, desprezada,

Perdida a razão, e logo esquecida,

Odiada razão, como isca lançada

De propósito para enlouquecer a presa;

Insano ao ser perseguido, e possuído;


Tido, tendo, e quase ao ter, extremo;

Felicidade ao provar, e uma vez provado, a tristeza;

Antes, uma ansiada alegria; por trás, um sonho;


O mundo bem sabe, embora ninguém se lembre

De descartar o céu que a este inferno os conduz.


Até breve, Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130

 
 
 

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