A Imago ou Imagem.
- Dan Mena Psicanálise
- 19 de jun. de 2023
- 9 min de leitura
Atualizado: 22 de set. de 2024
“A maior tragédia da família são as vidas não vividas dos pais”. - Jung
Por Dan Mena.

A palavra imago vem do latim e significa imagem, em Psicanálise o termo Imago refere-se à imagem mental idealizada de pessoas importantes e significantes na nossa infância. O conceito foi amplamente desenvolvido por Jung, foi assim definido como uma estrutura do arquétipo do inconsciente, ela inclui os personagens que direcionaram de forma muito seletiva o modo como retemos o aprendizado que recebemos de outros, neste caso, os familiares próximos. Ditas construções, concebidas e produzidas a partir das primeiras relações interpessoais reais, as quais são fantasiadas e projetadas pelo indivíduo, relacionadas com o seu ambiente parental. Esta palavra, intimamente conectada com a imagem, visa dar um destaque a determinação subjetiva dela, incluindo, tanto os sentimentos e afetos que desenvolveremos adiante, quanto as próprias compreensões e idealizações visuais que vão integrar a psique futura. A Imago, e o seu complexo, são conceitos relacionados entre um e outro, falam do mesmo lugar e domínio, com pequenas diferenças. Enquanto o complexo aponta para designar o efeito que possui sobre o sujeito na situação interpessoal, circunstância e contexto, a imago, qualifica sua caracterização quanto a sobrevivência imaginária de um dos protagonistas participantes de dito cenário que se desenvolve na formação da personalidade. Definida como uma representação inconsciente, mas sendo necessário ver nela mais do que uma imagem simplesmente, senão reconhecida como uma tática estratégica imaginária que irá permanecer no indivíduo, um lugar-comum, uma ponte, pelo qual o sujeito vai se contrapor ao ''outro''. Portanto, podemos sintetizar que dito tema, pode ser transfigurado pelo sujeito, transcrito tanto na formação de sentimentos, quanto em comportamentos adquiridos na forma de imagens aprendidas.
Sua progressão e desdobramento, vão dar referência a formação de uma imagem interna que irá perdurar e se conservar no inconsciente, mediante uma cognição abstrata. Em psicanálise, utilizamos o termo para cravar às marcas primordiais das figuras parentais, são imagens idealizadas e inconscientes que temos das pessoas que foram importantes para nós na infância. É o nosso espelho familiar, quando nos olhamos pela sua perspectiva inconsciente, estamos refletindo como os nossos pais nos notavam, fato mediado pela informação que recolhemos de si. O molde afetivo que recebemos no berço, constituem os pilares da formação da nossa personalidade, por esta razão, somos, inconscientemente o resultado dessa neurose parental e familiar. Destarte, seja quase impossível enxergarmos como realmente somos, esta imagem concretizada tem um poder imenso em nossa psique, que irão afunilar para um turbilhão de inserções interiorizadas na mente do indivíduo. Alimentados por ditas concepções, expandimos a formação da identidade. Nos seus escritos, Freud relata pela primeira vez em; “A dinâmica da transferência” de (1912), onde menciona a ''imago, paterna''. Aqui aponta para ela apenas como uma fixação erótica relacionada com traços reais de objetos primários. Mais adiante, confirma e prova a importância das ligações da criança com seus país, e esclarece, que neste estagio, o mais importante é como a criança identifica e percebe subjetivamente seus genitores. No entanto, em “O Problema Econômico do Masoquismo” de (1924), ele utiliza o termo imago no sentido junguiano da definição, desdobrando sua relação em direção ao masoquismo moral e ao superego. Acrescentando, que por trás do poder exercido pelos primeiros objetos dos instintos libidinais humanos, se dissimulam e ocultam às influências do nosso passado e tradições culturais assimiladas.
Definição; (O masoquismo moral é o prototipo ao que as neuroses recorrem mais quando o masoquismo lhes é necessário. Ele está atravessado pelo cruzamento das relações masoquistas-neuróticas, uma vez que a culpa, entra como uma noção básica da compreensão na organização neurótica do sujeito).
Definição; (O superego é a última instância do aparelho psíquico mental a se organizar, tem como função censurar os impulsos que vêm do id, sobre as atividades e pensamentos do ego. Essa censura é identificada pelo ego, via um singelo sinal de angústia. Surge pela divisão celular inicial do desenvolvimento embrionário, como uma parte do ego, e se desenvolve á partir dele).
A abordagem de Jung
Como um dos discípulos favoritos de Freud, Jung segue adiante, se aprofundando no tema. Destaca, que ditas imagens positivas ou não, serão sempre meras representações mentais dos nossos antecessores, que terão um peso relevante na constituição de quem realmente iremos nos tornar. Ditas imagens instauradas, estão também ligadas à repressão infantil, na qual a neurose, por meio da regressão, provocarão um retorno do indivíduo a uma antiga relação com a imagem parental. Este regresso, plugado e acionado pela qualidade particular do inconsciente, será construído através do processo histórico da pessoa. Então diz; “Dei intencionalmente a primazia à linguagem da imagem, justaposta e montada a expressão do complexo, porque quero dotar o fato psíquico que quero designar pela imagem, escolhendo o termo técnico, da independência que vive na hierarquia psíquica, isto é, a autonomia que várias experiências nos mostraram ser a particularidade essencial do complexo impregnado de afeto, sendo plasmada em relevo pelo conceito de imagem”, escreve Jung. Mais tarde, ele substituiu o termo imagem por ''arquétipo'', para espremer a ideia de que ela envolve motivos pessoais e coletivos. Adiante, ele explica de outra forma; “Esta imagem intrapsíquica provém de duas fontes: A influência dos pais, por um lado, e as relações específicas da criança, por outro. É, portanto, uma imagem que apenas reproduz o seu modelo de uma forma extremamente convencional”. Por fim, acrescenta; “entre o inconsciente e a consciência, um certo sentido, como se estivessem em ”luz e sombra” ou “claro e escuro”. Podemos entender nestas falas, que o qualifica como um complexo parcialmente autônomo, que não está total e absolutamente integrado a consciência.
Para Lacan, no seu artigo de 1938, “Os complexos familiares na formação do indivíduo”, esclarecem a ligação entre imagem e complexo. Foi mais ou menos nesse enclave, que ele aprimora e aperfeiçoa sua primeira teoria do imaginário. Lacan, fala assim do imago, como sendo parte do corpo fragmentado, onde a ''imagem do espelho'' (veja meu artigo, O Estádio do Espelho e o Eu Ideal.) seria uma mera ilusão de totalidade que se conecta com uma agressividade pressuposta do indivíduo. Diz; “O primeiro efeito da Imago que aparece no ser humano é um efeito de alienação subjetiva”. O conceito de imago, ''é a própria palavra'', e então, o termo desaparece da obra de Lacan. No entanto, suas ideias, que circulavam fortemente no início em torno dessa caracterização, vão continuar a inspirar e instigar o pensamento lacaniano; termos; como “imagem” e “imaginário”, entre outras, serão introduzidas na sua obra posteriormente. A imagem, é o elemento estrutural do complexo, o complexo, por sua vez, autoriza a que compreendamos a estrutura da família como organização contemporânea. Esse arcabouço social, aprisionado entre a perspectiva e o enfoque cultural vão estabelecer os laços imaginários que a criam e constituem. Neste ato, promulga sua definição em três fases: o complexo de desmembramento, o de intrusão e o complexo de Édipo que seria a posterior a sua topologia do real, do imaginário e do simbólico.
O imaginário em psicologia.
De acordo com definições no campo da psicologia, têm três imagens importantes fundadas primariamente na vida do ser humano, uma vez que se desenvolvem inconscientemente desde a fase infantil. São elas; a imagem da mãe, do pai e dos irmãos. Explanadas como recordações, lembranças e experiências, serão certamente fixadas e gravadas desde a infância, conservando-se na memória até à idade adulta e o amadurecimento. É uma idealização das pessoas mais próximas, um reflexo instruído pela psique para se amplificar e evoluir com o crescimento delas, em miúdos, uma cópia de características e condutas instruídas pela convivência e experiencias que serão replicadas. A personalidade de um indivíduo, sua expressão, serão a parte primordial, substancial, daquilo que a outra pessoa tomará como referência para criar a sua própria, imago. Depositadas e armazenadas na nossa memória, ficarão profundamente relacionadas a uma variedade de sentimentos e afetos como o rancor, ira, amor, paixão, ódio, admiração, estima, etc., destarte, não serão inflexíveis, é poderão ser readequadas. Quem faz importante aporte para a psicologia e Jolande Jacobi, ele utiliza a teoria da Imago, afirmando que este conceito tem uma grande função na descrição do processo de individuação de um sujeito, para sua constituição como indivíduo único. Nesse sentido, a imagem, será utilizada como uma ferramenta cognitiva para o mesmo superar suas fragmentações com os ''pares de opostos'', que na psicanálise é deliberado como a percepção de realidade.
Que lugar atribuímos à família na psicanálise?
A família humana é uma instituição, tal organização desempenha um papel fundamental na transmissão da cultura. Lacan diz; ''que a família estabelece uma continuidade psíquica entre gerações, cuja causa é de ordem mental''. As formas de organização dessa autoridade familiar, as leis de sua transmissão, descendência, parentesco e vinculo, estão implicadas nas leis de herança e sucessão. Logo, todas se entrelaçam e combinam com elas e, com suas relações íntimas, como o casamento, uniões diversas, enveredam e se enlaçam obscurecendo as relações psíquicas. Assim, faz uma sugestão muito interessante; ''Que a função materna e o sentimento de paternidade excedem o natural, a família biológica, a tal ponto, que podem ser substituídos, como por exemplo; pela adoção''.
Portanto, pelo que temos extraído até o momento, fica muito claro que os complexos, as imagens, sentimentos e crenças serão sempre abordados em relação direta com a família nuclear. De forma nativa e originária, é muito verdade, que nossa ingenuidade não nos permite constatar de imediato ao nível da consciência, que familiares e parentes produzem grande influência sobre o sujeito, que em muitas partes coincidem com a imagem que deles temos, onde notabilizamos e arquitetamos para formar nossas emoções, condutas e pensamentos. A imagem remanescente, será constituída de uma composição material que deriva do próprio sujeito individualmente. A Imago surge da experiência das influências recolhidas dos nossos pais e seus comportamentos, costumes, hábitos, papéis, procedimentos e ações específicas em direção aos seus filhos. Ingênuos e inocentes, acreditamos que nossos pais são tais como os enxergamos, infelizmente não é uma perspectiva real.
Para encerrar, acredito ser uma forma muito lúdica finalizar o artigo pelo pensamento junguiano, visto que entendo ser aquele que deu maior atenção e profundidade ao assunto abordado. Nestas cinco sínteses, podemos dar plena compreensão final ao Imago pela ótica psicanalítica.
Quanto mais forte for a influência inconsciente sofrida pela imagem dos pais, tanto mais ela atuará na escolha da figura do amado como substituto positivo ou negativo dos pais. — Jung.
Um indivíduo é infantil, porque se libertou de forma insuficiente ou não se emancipou do ambiente da sua infância, isto é, da adaptação aos pais, razão por que reage perante o mundo e a vida como uma criança, sempre exigindo amor e recompensa afetiva imediata. Por outro lado, identificado(a) com os pais devido à forte ligação com eles, o indivíduo infantilizado permanece fixado a dita fase, comporta-se como o fariam o pai e sua mãe ou cuidadora. Ele não consegue viver como ele mesmo e encontrar sua própria personalidade. — Jung.
A criança faz de tal modo parte da atmosfera psíquica dos pais que as dificuldades ocultas aí existentes e ainda não resolvidas podem influir consideravelmente na saúde dela. A participação mística, (participation mystique), que consiste na identidade primitiva e inconsciente, faz com que a criança perceba os conflitos dos pais e sofra, como se os problemas fossem dela própria. Não são jamais os conflitos patentes e as dificuldades visíveis, com esse efeito envenenador, mas as dificuldades e problemas dos pais mantidos ocultos, ou mantidos inconscientes. O causador de tais perturbações neuróticas sem exceção alguma é sempre o inconsciente. Coisas que pairam no ar ou que a criança percebe indefinidamente, a atmosfera abafada e cheia de temores e apreensões, tudo isso penetra lentamente na alma da criança, como se fossem vapores venenosos. — Jung.
Quanto mais impressionantes forem os pais e quanto menos quiserem assumir seus próprios problemas, (muitas vezes pensando diretamente no bem dos filhos), por um tempo mais longo e de modo mais intenso terão os filhos de carregar o peso da vida que seus pais não viveram, como que forçados a realizar aquilo que eles recalcaram e mantiveram inconsciente. — Jung.
Tenho a forte impressão de estar sob a influência de coisas e problemas, que foram deixados incompletos e sem resposta por parte de meus pais, de meus avós e de outros antepassados. Muitas vezes parece haver numa família, um carma impessoal que se transmite dos pais aos filhos. Sempre pensei que teria de responder a questões que o destino já propusera a meus antepassados, sem que estes lhes houvessem dado qualquer resposta; ou melhor, que deveria terminar ou simplesmente prosseguir, tratando de problemas que as épocas anteriores haviam deixado em suspenso. — Jung.
Vamos ao poema da semana.
Identidade, por Pedro Bandeira.
Às vezes nem eu mesmo
sei quem sou.
às vezes sou.
"o meu queridinho",
às vezes sou
"moleque malcriado".
Para mim
tem vezes que eu sou rei,
herói voador,
caubói lutador,
jogador campeão.
às vezes sou pulga,
sou mosca também,
que voa e se esconde
de medo e vergonha.
Às vezes eu sou Hércules,
Sansão vencedor,
peito de aço
goleador!
Mas o que importa
o que pensam de mim?
Eu sou quem sou,
eu sou eu,
sou assim,
sou menino.
Por Dan Mena, boa semana para todos. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130
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