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A Hipocrisia.

Atualizado: 22 de set. de 2024



A Hipocrisia.

“Um homem sem defeitos, é um tonto ou um hipócrita, do qual se deve desconfiar.” Joubert - Por Dan Mena.

A concepção de Freud sobre o homem, mostrou que somos na realidade marionetas de cordas escuras, (até então desconhecidas), que não eramos, nem somos, totalmente racionais, que tal mínima racionalidade e vontade nos tornaram reféns de processos, na maioria das vezes completamente desconhecidos e alheios a nos mesmos. A estes, chamou de pensamentos inconscientes, de modo que a perspectiva dada ao homem como ser pensante foi caricaturada, enquanto se atestou, que consciência e pensamentos eram efetivamente apenas uma parte ínfima da condição humana, que não eram, sequer, importantes ou determinantes. Na minha opinião, a tarefa mais importante de Freud, não foi reduzir o silêncio dos segredos mais misteriosos que carregamos, senão insistir num processo e metodologia clinica, em que fossem expressos, sem a devida inclusão da hipocrisia que os escoltam. Assim, iluminar os infernos da nossa subjetividade, mostra, que só quem tem coragem de arrancar suas verdades do abismo onde foram repressadas, pode ser liberto da dupla expressão que a elas imprimimos, olhando cara a cara, onde podemos, sem dúvidas, dominar a desarmonia da verdade.


Portanto, Freud propõe não haver realidade concreta e independente da nossa subjetividade; de fato, é ela mesma que se constrói e sobrepõe as coisas do mundo com o nosso olhar, de modo que determinadas instrumentalizações se transformam para nós em objetos que têm significado, aos quais damos uma relação, um laço com o mundo psíquico. Cada objeto e entrelaçado com outros, conectados, até formar uma (realidade). Estes, por sua vez, entram em associação com outras pessoas e com um mercado, onde se tornam mercadorias. Logo, atribuímos um valor a elas, e talvez um preço, numa trama simbólica muito complexa, como um manto de subjetividade colocado previamente, onde preferimos não encarar isso como real, queremos fugir à autenticidade, mascarar a responsabilidade dessa construção social de mundo. Preferimos pensar que somos vítimas passivas da própria natureza. Precisamente neste ponto de encontro, na participação ativa do destino que damos a nossa vida, Freud diz; que o encontro com nossa verdade e só acessível a quem ousa conhecer a sua própria. Nesta conjuntura não há verdade mais profunda do que esta, por tal razão, recorremos ao seu uso.


O que é a hipocrisia?


Todos nós já fomos hipócritas em algum momento, mesmo sem nossa percepção. Vivemos numa sociedade que nos obriga muitas vezes a camuflar reais interesses pessoais, para podermos progredir e evoluir. No entanto, há quem recorra a uma hipocrisia excessiva, e isso certamente irá nos afetar. Ela nasce da excitação de se encobrir; desejos, ideais, atos, etc., criando uma incoerência entre o que se diz e o que se faz, entre a crença e a conduta. Sua origem, vem do latim, de "hypocrisis" que significa atuar, disfarçar ou fingir. Logo entendemos, que uma pessoa hipócrita finge qualidades, encantos, atrativos, virtudes, opiniões e, muitas vezes, a moral, que não é aceita de si própria(o), o que resulta numa ambivalência entre o sentido dos princípios, e a efetiva pratica das suas ações. Algumas pessoas são hipócritas, porque a sua baixa autoestima as faz acreditar que o seu verdadeiro ''eu'', não é suficientemente bom e aceitável para si. Outras, a praticam com a intenção de receber aprovação, como uma resposta a uma marca defensiva de feridas emocionais infantis, amadurecimento incompleto ou um resultado de ditames sociais, (como exemplo; um bom refúgio, a religião), que exigem cumprimento de determinadas regras, atitudes ou comportamentos. Desta forma, transferimos tais atitudes para às relações interpessoais. Uma das teorias mais relevantes sobre o tema, é a da dissonância cognitiva, proposta por Festinger, que anota; quando uma pessoa tem dois ou mais pensamentos, ou crenças conflitantes, experimenta um estado de dissonância intelectiva, agindo inconsistentemente com suas crenças, quereres, aspirações e valores, a fim de evitar o conflito mental, que resultaria de uma ação consistente. Outra teoria, é a da autoimagem, que defende que pessoas projetam um ideal perfeccionista de si, procuram proteger e encapsular esse conceito. Quando ela(e) agem de forma contraditória a tal influência, sentem uma ameaça, agindo hipocritamente para evitar essa intimidação. Além disso, a Psicanálise estuda a hipocrisia agudamente, como um mecanismo de defesa, que permite às pessoas protegerem o seu Ego, evitando o sofrimento e dor emocional. De acordo com esta teoria, podemos agir de forma hipócrita para evitar enfrentar a verdade sobre si próprio ou sobre outros, driblando a angústia emocional que isso pode provocar.


Embora a sociedade condicione comportamentos, é importante reconhecer quando estamos agindo desta forma, sendo positivo evitar essa conduta, quando conscientes, tanto quanto possível. Em suma, a hipocrisia é um comportamento humano complexo, por isso, requer uma compreensão profunda das relações e do ambiente social em que estamos inseridos. Dito proceder, se denota principalmente quando temos grandes preocupações quanto a figura que desejamos notabilizar para o entorno, é não necessariamente concretizar nossas vontades.


Quais os 4 tipos de hipocrisia?


Incoerência: uma pessoa percebe que sua ação, circunstâncias ou vida, não são coerentes com o ambiente, contexto, quereres, nos quais se movimenta, para se sentir integrada(o), precisa fingir algo que não é, mesmo negando seus verdadeiros desejos.


Culpa: incita as pessoas a serem hipócritas, isto responde a um aspecto mais provocador de si, devido a ideias rígidas, imposições sociais, culturais e religiosas.


Fingimento: é a terceira característica que mais influência a hipocrisia, devido à necessidade de se obter um benefício pessoal, fingindo ser algo fantasiado e mascarado.


Complacência: pessoas hipócritas não medem esforços para agradar outros, são movidas(os) pela necessidade de aceitação alheia e baixa autoestima pessoal.


A hipocrisia social não é uma patologia, mas uma qualidade cultural ocidental que nos foi inserida pela própria estrutura em que vivemos. Falar abertamente, é certamente muito mal visto, sendo preferível dizer apenas o que se espera ouvir. Essa construção humana, labiríntica, hermética e enigmática, desde que Freud diferenciou o consciente e inconsciente, expressar diretamente nossas verdadeiras expressões e desejos, parece ser um impossível linguístico. Podemos estar apaixonados por duas pessoas, odiar e apreciar a mesma pessoa. Todos os dias pensamos uma coisa, destarte, realizamos outra, completamente diferente e contrária ao querer. Por vezes, agimos assim para não magoar os outros, outras, por pura conveniência. Parece que o mais sensato agora seja maquiar o comportamento, adaptá-lo, esconder os verdadeiros sentimentos e palavras. Estamos presos ao arcabouço social moderador, amordaçados da nossa espontaneidade, em nome de uma convivência supostamente harmoniosa. Mas isso, nem sempre se traduz em bem-estar. Criar a liberdade da nossa própria personalidade, estar confortáveis com ela, e consolidá-la aos olhos dos outros e do mundo, faz parte da nossa aprendizagem. Imagem, moda, estruturas, protótipos, regras, parecem estar acima do exercício da individualidade. Para ''ser'' é preciso parecer, para “fazer parte”, seguir tendencias e normas impostas por quem seja. A Psicanálise nos mostra, que um ser humano “sozinho, isolado” não existe, para se identificar com pessoas e ideias, tem necessariamente que ser sinônimo de cópia, o que considero utópico. O que está em jogo aqui, é, como sermos nós próprios, implementar, nossos gostos, anseios, compromissos, etc. Freud afirmava, que; se duas pessoas pensam da mesma maneira, uma delas está submetida à outra. Como poderíamos minimizar essas mazelas?. Entendo que o primeiro passo para ser aceito e bem-visto, sem usar de artifícios, é considerar-se a si próprio(a). Nossa autoestima, se eleva automaticamente se estivermos à vontade com o que fazemos e queremos, colocando amor, dedicação e carinho nas coisas, obras, realizações e afazeres aos quais nos dedicamos. A diferença do que se pensa tradicionalmente, autoestima não é se ver, sentir-se bem frente ao espelho, é detectar que nossa vida funciona de fato, que venha ao encontro do lugar que a desejamos funcional. 


A hipocrisia pode manifestar-se de muitas formas, pode ser difícil de detectar, se não conhecermos bem o indivíduo. As consequências de ser alguém hipócrita, mentirosa(o), falso(a), podem ser graves, tanto a médio, quanto a longo prazo, uma vez que dito comportamento pode levar a um declínio de saúde física, emocional e psíquica. Quando implementamos conjuntamente dois mecanismos opostos, contrários para cada comportamento, vontade, querer, aspiração, interesse, nossa energia e força serão afetadas, sugando e declinando como seres humanos.


A hipocrisia existe também na forma inconsciente, podemos ter atitudes hipócritas sem nos apercebermos;


Detectando hipócritas;


1. Realiza críticas excessivas ao comportamento dos outros: raramente se colocam no lugar do outro ou sentem empatia.


2. São exigentes com os outros, sem dar nada em troca, exigindo que façam determinadas coisas que eles não fariam.


3. São complacentes, quanto mais demonstram o seu desejo de parecer alinhados. Não há nada mais importante para eles do que ganhar a simpatia e confiança dos outros, se comportando dissimuladamente.


4. Tendem a ser superficiais, onde tudo é tratado com uma máscara para manipular o outro. Por isso, é normal terem o hábito de se fixarem muito na sua própria imagem, aparência e objetivos.


5. Sentem-se superiores, pelo que desenvolvem um sentimento de superioridade moral, acreditando serem melhores porque denunciam e apontam comportamentos errados de pessoas próximas.


6. São emotivos, quando precisam de um favor criam uma falsa proximidade. Em todos os outros momentos, pouco se importam em estar em contato com outros.


7. Estão ausentes em tempos de crise e dificuldades, como têm pouco interesse em estar perto das pessoas, não é de estranhar que quando os seus amigos estão em apuros, não apareçam para ajudar.


No processo analítico há sempre uma tentativa incansável do dizer, embora permaneça sempre um resíduo daquilo que não podemos expressar e comunicar, do que, talvez, seja meu impossível de manifestar e revelar para mim mesmo. A palavra, é de alguma forma movida por esta tentativa improvável de articular o lugar da minha genuinidade, das possibilidades e impossibilidades. Isto, certamente, tem um recinto, nas fantasias, líbidos, lascívias e volúpias. A Psicanálise prova, que é possível viver toda uma vida enganada(o), ignorando, recalcando e frustrando a própria naturalização da verdade que o desejo implica, ou então, aceitar o desafio de analisar plenamente a nossa vida sob o espectro da franqueza.


Ao poema; Hipocrisia

Deixa cair o véu que é teu disfarce;

Revela para o mundo os teus segredos;

Não deixes de sonhar, ainda é tão cedo,

E há muito o que viver quando o Sol nasce!


Atira o corpo ao tempo e vai, sem medo;

Sinta o vento beijando a tua face,

Envolvendo teu corpo em doce enlace

Feito raios de Sol entre arvoredos!


Viva na vida um sonho a cada dia

Pois que sonhar é dádiva divina,

É poder que a razão se não nos tira...


Deixa cair o véu da hipocrisia

Que a vida é uma centelha pequenina

No abismo em que o destino nos atira!


Ciro Di Verbena


Por Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130

 
 
 

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