A Dependência.
- Dan Mena Psicanálise
- 8 de jun. de 2023
- 8 min de leitura
Atualizado: 22 de set. de 2024
“O investimento libidinal em um objeto, não eleva a autoestima. A dependência ao objeto amado tem como efeito a redução daquele sentimento: uma pessoa apaixonada é humilde. Um indivíduo que ama priva-se, por assim dizer, de uma parte de seu narcisismo, que só pode ser substituída pelo amor de outra pessoa por ele(a)”. Freud.
Por Dan Mena.

A dependência emocional é um traço de personalidade, mas se ela se faz presente com um alto grau de compulsão, estamos falando de uma desordem, da necessidade dos outros assumirem a responsabilidade pelas principais áreas da nossa vida, do medo da separação, das dificuldades em tomar decisões por si, de expressar desacordo com os outros, devido ao medo do abandono. Nas crianças, é detectado, quando demonstram uma atitude imatura para com aqueles que cuidam delas e as guiam, ao precisarem, exageradamente, da presença e aprovação de uma pessoa específica para a qual podem se referir e identificar. Escolhi este tema de grande profundidade e importância para a vida contemporânea, boas leitura, um ótimo feriado.
Quais seriam suas causas?
Dita dependência está intimamente conectada com a busca do prazer e com a ideia de morte. Uma forma simbólica de morrer e de sentir, que existe pela subsistência de ambas as pulsões no ser humano. Podemos avaliar também, como uma carência interior profunda, que só pode ser satisfeita pelo comprazimento, como um sentimento de insaciabilidade e sua necessidade de oposição a satisfação. Simultaneamente, podemos fazer leitura pela clínica, que certos indivíduos inseridos nessa trama psíquica tiveram deficiência afetiva durante a infância ou, ao contrário, excesso. Devemos incluir determinados traços de caráter que lhe são característicos, como a alta sensibilidade emocional, tendências depressivas, ansiedade crônica, deficiência de independência, autoestima negativa e medo da rejeição. Ela é intensificada por uma educação superprotetora ou que provoca medo, por exemplo: uma criança que desenvolveu uma dependência emocional de sua mãe hiperprotetora, e, que diante desta ligação exorbitante na infância se correlaciona e permanece fixado(a) a essa fase, desenvolvendo distúrbios de apego afetivo no estágio do amadurecimento. Como um estado psicológico que ocorre nas relações pessoais, sejam elas de família, parcerias ou amizades, afeta muitas pessoas, embora a maioria não esteja ciente da sua presença. Os dependentes, demonstram uma grande falta de autocontrole, sentem desconforto quando se afastam ou saem do raio de atuação da pessoa sobre a qual a dependência está focada.
As três características essenciais são: comportamento submisso, pensamentos intrusivos sobre o parceiro, como, por exemplo: experimentar grande angústia na possibilidade de uma ruptura e um intenso sentimento de medo pelo abandono. Não devemos cometer o erro de interpretar que se trata de um vício, pois este problema transcende o momento presente, é uma tendência emocional, um padrão de comportamento caracterizado pela busca e manutenção de relações sentimentais que possam suprir uma necessidade, ausências e afetos impossíveis de serem atendidos plenamente, sob quaisquer circunstância.
Nas relações típicas da dependência emocional, encontrarmos um ciclo que consiste em quatro fases, é geralmente se repetem:
1 - EUFORIA, na qual a pessoa dependente se sente verdadeiramente feliz com o início de um relacionamento, com um parceiro idealizado e projetado desde o primeiro momento.
2 - SUBORDINAÇÃO, onde uma relação desequilibrada, construída entre um submisso e um dominante, seguindo uma tendência de um deles fortalecer e aumentar seu papel, o submisso, se torna cada vez mais súdito com o tempo, e o dominante, por sua vez, tende a fazer cada vez mais exigências.
3 - DETERIORAÇÃO, sendo geralmente uma fase mais longa, na qual o submisso suporta a injustiça, humilhação, destrato e atos abusivos.
4 - FRAGMENTAÇÃO, iniciada pelo parceiro dominante, é um período de intenso sofrimento por parte do dependente. Um cenário triplo aparece: implorando incessantemente o dependente, tentando convencer o outro a reiniciar a relação, ou que o dependente encontre alguém que aceite iniciar uma relação com as mesmas características para substituir a anterior, ou a chamada relação de transição. Nesta última, cuja única função é aliviar o desconforto da ruptura, onde o dependente não mantém o padrão típico de submissão e idealização, mas desenvolve uma relação fria e temporária, até que um candidato adequado apareça novamente, momento em que o ciclo recomeça.
Os indivíduos emocionalmente dependentes podem ser identificados por comportamentos e sintomas, tais como:
Problemas para fazer as coisas por conta própria.
Disposto a obedecer e ser desproporcionalmente subordinado.
Má capacidade de adaptação a novos ambientes ou situações.
Baixa autoestima e aversão.
Tendência para a depressão ou ansiedade.
Não assumir responsabilidades.
Dificuldade na tomada de decisões.
Posição inferior nos relacionamentos.
Abuso físico ou verbal duradouro.
Sentir-se desconfortável com a solidão.
Não encontrar o lugar da solitude.
Impossibilidade de sair de uma relação tóxica.
Só pode preencher este vazio com outra pessoa.
Medo de rejeição e dificuldade em dar sua opinião.
Necessidade de agradar aos outros.
Dificuldade em iniciar projetos pessoais individualmente.
Falta de confiança no próprio julgamento e habilidades.
Realizar tarefas indesejáveis para manter o relacionamento.
Tudo isso, não significa que uma pessoa dependente não faça coisas por si mesma(o), acontece, é que precisa do apoio ou aprovação de outra(s) para reforçar sua eficácia e realização. A dependência emocional, não deve ser confundida com outros tipos de relações destrutivas, tais como a codependência e a dependência instrumental.
Para citar;
No fenômeno da codependência, a pessoa tende a buscar inconscientemente relacionamentos com pessoas com problemas: seja dependente de drogas, alcoólatras, jogadores compulsivos ou outros tipos, nesse rol, pretendem desempenhar um papel de cuidador, uma instrumentalização do outro, que gere alguma forma de satisfação e sentimento de utilidade para si. O co-dependente, se doa plenamente ao cuidado, proteção e até mesmo à ocultação do parceiro, fazendo todo o possível para controlá-lo e resgatá-lo, ''salvá-lo'' da sua suposta ruína. Enquanto, o parceiro do dependente emocional é geralmente dominante e narcisista, alguém que se sente confortável em uma posição de domínio e superioridade, o outro, assume um papel passivo, permitindo a condução ao seu bel-prazer e explorando a ansiedade que nutre em solucionar todos os seus problemas.
Na dependência instrumental, a pessoa não consegue assumir o controle de sua própria vida, sente-se insegura(o), carece de iniciativa e autonomia, tem a sensação de não ser capaz de se defender e não poder arcar com suas decisões ou mesmo de se encarregar de suas próprias responsabilidades. O dependente emocional, é frequentemente alguém que teve que se defender, (geralmente na fase infantil), se armando emocionalmente desde cedo, (formando um escudo), enquanto o dependente instrumental, mas parece uma criança indefesa no corpo de um adulto. Muitos daqueles acometidos, não sabem da sua presença, negam e se recusam a aceitar serem portadoras de tal condição, mesmo quando alguém próximo apresenta situações típicas e fundamentadas dos fatos. Muito dos distúrbios psíquicos e emocionais, são velados e invisíveis ao sujeito, visto que operam através do nível inconsciente. Uma situação regular na clínica psicanalítica são os pacientes que se apresentam com diagnósticos prontos e próprios, se avaliando com estresse, depressão, ansiedade e angústias, sem saber, que a causa motora desses sintomas são senão produtos de dependência emocional e afetiva.
A chave para gerar relações saudáveis, são o cultivo do amor-próprio e a construção estruturada do autoconhecimento.
Seria então o estado ideal a independência total do outro? A resposta é não!
Cuidado para não cair na armadilha moderna do arcabouço emocional, se fossemos totalmente independentes, viveríamos isolados, somos seres sociais que vivemos em comunidades, o apego, é uma de nossas necessidades básicas, e é normal estabelecer laços de dependência entre nós. Nesta frase de Dalai Lama encontramos uma leitura muito concisa ao respeito.
“Se houvesse algo que não tivesse partes, esse algo poderia ser independente; mas não há nada que careça de partes.”
Dalai Lama
Portanto, que tipo de entrelaçamento é saudável?
Entendamos um pouco sobre as formas da sua manifestação:
Dependência Vertical e Horizontal:
Dependência Vertical:
Isto é quando uma pessoa é absolutamente dependente de outra: é, por exemplo, o tipo de relação entre os pais e seus filhos pequenos. Os pais fornecem, cuidam, e o bebê depende deles para a sua sobrevivência.
Dependência Horizontal:
Esta é uma interdependência entre pessoas adultas. Todos damos e recebemos, cuidamos e apoiamos reciprocamente. Entre casais adultos, esta interdependência horizontal seria característica de uma relação saudável e equilibrada.
E quais são os padrões de personalidade, como elas se cruzam?
Submissos:
É difícil para um submisso ser atraído por outro com a mesma característica, mas, serão facilmente emparelhados com dominantes ou evitadores.
Escapistas:
Duas pessoas evitadoras dificilmente formarão um casal e, se o forem, quase sempre o menos evitador dos dois começará a se mostrar mais submisso. O evitante e dominante, também são incomuns e, quando esses casos ocorrem, o evitante acaba adotando uma posição submissa.
Dominantes:
Dificilmente formarão relacionamentos entre si, se o fizerem, geralmente irão travar uma luta constante de dominação.
Os dominantes frequentemente se emparelharam com estilos submissivos.
Interdependente:
Os independentes, buscam relações horizontais e evitam as verticais, de modo que acabam sempre se relacionando entre si. Se iniciam uma relação com um padrão de outro tipo, acabam rompendo após pouco tempo, ao perceberem o padrão diferente, já que não é o que estão procurando no seu oposto. As relações interdependentes são do tipo saudáveis, as quais todos devemos aspirar.
Seria, portanto, um crescimento benéfico, que possamos trafegar entre a dependência afetiva natural inerente a humanidade é a interdependência saudável, promovendo nossa capacidade de intimidade, o que implica saber regular o contar com os outros, se comunicar, compartilhar acolher nossas emoções e saber ouvir, consolar e ser empático. Além disso, confiança e calma na vivência das relações, precisam regular o medo, temperar a ansiedade como uma ameaça, aprender a confiar nos outros, ser bom em participar de grupos, trabalhar em nossa assertividade e inteligência emocional.
Finalizando, posso afirmar, que a dependência quando conflitiva afeta a cognição, os afetos, a atividade interpessoal e o controle de impulsos. É persistente, inflexível e envolve situações históricas da fase infantil, pessoais e sociais. De longa duração e início precoce, está no extremo de uma trajetória baseada em um traço adaptativo, que, neste caso, é a ligação social. Assim, alguma dependência emocional é comum e desejável, assim como o narcisismo, a desconfiança ou a introversão, que atuando em parâmetros constitutivos das estruturas humanas naturais possam ser avaliadas ponderadamente.
Trabalhar esse conflito, é atravessar a ponte emocional para uma relação menos ansiosa com o desejo, instituindo e reconduzindo às relações de qualquer índole a necessária autonomia individual. Neste ponto que reside toda a tribulação, visto que quando a detectamos e tomamos consciência precisamos enfrentá-la, e então, surge a resistência. Para se libertar desses grilhões, é preciso poder verbalizar livremente sobre a origem dessas emoções, sobretudo, quando são de crivo negativas e persiste nelas uma necessidade elevada, extremamente imperiosa de ser atendida. Será necessário explorar a infância, a trajetória de vida, os sonhos, todos estes parâmetros podem de alguma forma esclarecer as raízes da compulsão. No entanto, há um lugar muito importante que terá de ser trabalhado, a fonte interna da autoestima, reaprender a amar-se e valorizar-se. Em suma, será necessário fundar uma nova relação que o cliente construa consigo mesmo.
Vamos ao poema;
Dependência
Agarro-me à fina borda de tua presença
Tal qual náufrago ata-se à boia
E em desesperados sussurros
Suplico que não me abandones
De minha garganta seca
Sai o grito emudecido de socorro
Quem ouvirá meu lamento
Quando não estiveres por perto?
Não me deixe a sós, comigo
Porque sozinha já não sou ninguém
O medo me paralisa no escuro
E febril, procuro a tua mão
Talvez tal tarefa seja um fardo
Não pedistes por nada disso
Mas o que posso eu fazer
Se tua presença se fez essencial?
Meu coração a correr como trem descompassado
Bate trôpego quando não te vê
E eu sinto tanto a tua ausência
P R E C I S O D E V O C Ê!
Thainá Silva.
Por Dan Mena, até breve. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130
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